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Oi Jair cai na real que esse Brasil aí é de todos “nóis”

Saravá galera.

Tinha de começar com esta saudação. Não sei se com mais alguém foi assim mas a minha relação com a cultura brasileira foi algo que foi crescendo como uma temperatura febril, vindo de um quase completo repúdio com o mercúrio em total imobilidade para uma muito mais estreita e calorosa relação, daquelas em que já não sabe se a medição é em Celsius ou Fahrenheits.

Começo pelo principio, que isto não é filme do Tarantino… quando eu era pequenino, os comics que eu gostava de ler eram gibis e chegavam-me todos às mãos editados pela Editora Brasil-América Limitada mais conhecida por EBAL, fundada em 1945 por Adolfo Aizen, o pai das histórias em quadrinhos no Brasil  enquanto os filmes de animação que ia ver ao cinema eram todos “dublados” em português do Brasil.

Fui crescendo, um par de anos depois do 25 de Abril havia um programa de rádio do José Nuno Martins com o nome de “Os Cantores da Rádio” e eu que só queria ouvir novidades não entendia este formato que transmitia exclusivamente MPB.

Vivia fascinado com Londres, onde tinha ido pela primeira vez em 1978, depois viria o meu amor por Nova-Iorque, Hong-Kong, Tóquio. Quanto ao Brasil, onde tanta gente ia, era local que não me despertava nenhum tipo de interesse.

Até que um dia fui lá. Comecei de fininho, pela costa que tinha servido de porto de chegada aos nossos navegadores mas como nessa altura não era muito dado a praia não serviu de profilaxia. Foi mesmo só quando conheci o Rio de Janeiro e São Paulo, duas grandes metrópoles, é que o meu nível de satisfação urbana foi amplamente irradiado. Mas nessa altura já eu tinha passado a eleger bem as diferenças entre o saudável e o enfermo no que musicalmente era produzido desse lado do Atlantico.

Como nunca tinha sido muito dado ao Carnaval a empatia que se ia gerando em relação à música brasileira viria pela descoberta de todo um espólio da (pré e pós) Tropicália que havia deixado rasto por esse mundo fora. A compreensão de que Sinatra e outros crooners haviam sido inoculados pelo virus, de que a disco “flirtava” com o brasileirismo piscando os olhos ao som da batucada, que afinal o punk havia por aqueles lados feito estragos também. O que fui percebendo é que o contágio era possível desde que fossemos até lá, não viajava bem para fora do seu confinamento geográfico, sem conhecimento de causa. Se calhar até é assim com tudo o mais mas neste caso foi uma verdadeira revelação.

A conversar com o William Ribeiro, chef paulistano que é a maior jóia de gente, percebi que há uma centelha bem viva nesta gente, cultura nova enraizada em ideais velho mundistas peneirados e polidos após submissão à grande trituradora que cospe tanto um Niemeyer ou um Villa Lobos, que tanto dá ao mundo o Santos Dumont como o Luis Fernando Veríssimo. A comer um pastel de feijão tropeiro num boteco galardoado ali pelas bandas entre o Leme e a Chapéu Mangueira falava com o dono que vive para trabalhar e que iria sempre receber muito bem a Paula Toller mesmo sem saber que ela tinha sido vocalista dos Kid Abelha. Porque é este misto de hospitalidade, infortúnio, alegria quase pouco cristã e idealismo juvenil que faz desta gente um colosso humano que só poderia ter nascido para cantar, dançar e jogar à bola.

Esta semana comecei com uma imposição um pouco mais alta, os 40 temas são uma serpentina, ora brasileira ora estrangeira, um tu-cá-tu-lá sempre ligado a esse grande Brasil. Começa com um beijo do Marcos Valle ao Flamengo (ai Jesus) e acaba com o Caetano dizendo que é o Superbacana em Copacabana. Pelo meio fica um pouco de tudo, uma homenagem à Carmen Miranda, o Star Wars em modo Terça-feira Gorda e até mesmo um trecho da mais recente produção de Caio Stanccione com o poema “O Tempo” no sample das palavras do seu autor Paulo Quintana.

Gostava de ter tido espaço para vos injectar com um pouco de Erlon Chaves ou Dom Salvador ambos com raridades reeditadas pela Mad About Records mas mesmo assim propagou-se bem o que era inevitável. Ouça-se Lúcio Alves a cantar Dorival Caymmi ou Cesária Évora acompanhada por Sakamoto interpretando João Gilberto e percebe-se que isto não se transmite pela rádio nem se apanha numa telenovela.

Olho para trás, para algumas noites londrinas que frequentava assiduamente e revejo o elenco: estavam lá alguns dos “infectados” desta semana, a Tracy Thorn, os japoneses UFO, o Chris Frank e o Jez Kerr ou o Patrick Forge. Domingo, Segunda ou Terça, noites de semana num outro Soho algo diferente do de hoje mas onde acima de tudo sentia-se um respeito venerável por um jeito sem igual de ser e estar na vida e no mundo.

A parada este fim de semana tá sussa. Aproveitem.

#staysafe #musicfortheweekend

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Saravá galera.

I had to start with this classic greeting. I don’t know if it was like that with anyone else, but my relationship with Brazilian culture was something that grew like a feverish temperature, coming from an almost complete rejection, with the mercury in total immobility to a much closer and warmer relationship, to a degree you no longer know if the measurement is in Celsius or Fahrenheits.

Since this ain’t a Tarantino film I’ll start at the beginning… when I was a little boy, the comic books that I liked to read were published by Editora Brasil-América Limitada, better known as EBAL, founded in 1945 by Adolfo Aizen, the father of comics in Brazil, while the animated films I saw at the cinema were all “dubbed” in Brazilian Portuguese.

I grew up and a couple of years after April’s revolution of 74 there was a radio program by José Nuno Martins named “Os Cantores da Rádio” and I, a teen that only cared about listening to new stuff, did not understand this format that transmitted exclusively MPB. I was fascinated with London, where I had first gone in 1978, then came my love for New-York, Hong-Kong, Tokyo would come. As for Brazil, where so many people went, it was a place that didn’t interest me at all.

Until one day I went there. I started small, along the coast that had served as port of arrival for our navigators, but as it was by then I wasn’t really into beaches and that sort of thing so it didn’t work as the required prophylaxis. It was only when I got to know Rio de Janeiro and São Paulo, two large metropolises, that my level of urban satisfaction was widely irradiated. But by that time I had already started to choose the differences between the healthy, the sickening and the toxic in what was musically produced on that side of the Atlantic.

As I had never been too much for Carnival my empathy for Brazilian music came eventualy from the discovery of all (pre and post) Tropicália wich had left a audible trail throughout the world. The realization that Sinatra and other crooners had been inoculated by the virus, that the disco “flirted” with “Brazilianism”, blinking it’s long eyelashes at the sound of the beat, that after all even punk had done damage on that side of the world as well. What I realized was that contagion was possible as long as you went there, it did not travel well outside its geographical confinement. Maybe it’s like that with everything else, but in this case it was an eye opening revelation.

Talking to William Ribeiro, a São Paulo chef who’s a great host and friend, I realized that there is a spark alive in these people, a new culture rooted in old world ideals sifted and polished after submission to the great shredder that spits either a Niemeyer or a Villa Lobos, who gave the world both Santos Dumont and Luis Fernando Veríssimo. Eating a pastel filled with tropeiro beans at an award-winning boteco somewhere between Leme and Chapéu Mangueira, I spoke to the owner who lives to work and who would welcome Paula Toller as royalty even without knowing that she had been Kid Abelha’s lead singer. Because it is this mixture of hospitality, misfortune, almost unchristian joy and youthful idealism that makes these people a human colossus who could only have been born to sing, dance and play soccer.

This week I start with a slightly higher imposition, the 40 themes are a serpentine, sometimes Brazilian, sometimes foreign, a tu-cá-tu-lá always connected to this great Brazil. It starts with a kiss from Marcos Valle to Flamengo (oh Jesus) and ends with Caetano saying that he is the Superbacana in Copacabana. In between there’s a little bit of everything, a tribute to Carmen Miranda, the Star Wars theme in Shrove Tuesday mode and even an excerpt from Caio Stanccione’s latest production with the poem “O Tempo” that samples the words of its author Paulo Quintana.

I wish I had space to inject you with a little Erlon Chaves or Dom Salvador, both with rarities reissued by Mad About Records, but even so what was inevitable ended up spreading well. Listen to Lúcio Alves singing Dorival Caymmi or Cesária Évora accompanied by Sakamoto playing João Gilberto and it is clear that this is not stuff broadcast usually on the radio or a soundtrack in a telenovela.

I look back to some London nights I attended regularly and review the cast: there they were, some of this week’s “infected”, Tracy Thorn, the Japanese UFO, Chris Frank and Jez Kerr or Patrick Forge. Sunday, Monday or Tuesday, week nights in a totally different Soho but where above all there was a venerable respect for a unique way of being, in life and in the world.

A parada este fim de semana tá sussa. Let’s meet at Ipanema’s posto 8…

#staysafe #musicfortheweekend

Marcos Valle – Flamengo Até Morrer

Xungaria no Céu – Onze dias no Brasil

Nicolette Larson – Rio De Janeiro Blue

João Donato – Cala boca menino

A Certain Ratio – Brazilia

Marcelo D2 – Qual É

Cesária Évora, Caetano Veloso and Ryuichi Sakamoto – É Preciso Perdoar

Dodô da Bahia & As Virgens de Porto Seguro – Africamerica

Peggy Lee with David Barbour & The Brazilians – Caramba, It’s the Samba

Electric Boogies – Electric Boogies

Sly & The Family Stone with Studio Rio – Family Affair

Mina – Todas Mulheres Do Mundo

United Future Organization – Upa Neguinho

João Bosco – Cobra Criada

Masatoshi Takanaka – Star Wars Samba

Eliana Pittman ‎– Quem Vai Querer (Aroop Roy Breakdown)

Joss Moog – Aroma Do Brasil

Explicita  – Eu Quero Mais (Explicita edit)

Everything But The Girl –  Corcovado

Gal Costa – Que Pena (Ele Já Não Gosta Mais De Mim)

I Gres – Garota Brasileira

Nestor Amaral & Bando da Lua with Charles Walcott & His Orchestra – Os Quindins De Ya Ya

Real Combo Lisbonense – Boneca de Pixe

Lúcio Alves – Nem Eu

Belle & Sebastian – Cassaco Marron

Morelenbaum² / Sakamoto –  Fotografia

Julie London – The Boy From Ipamena

Seu Jorge – Convite Para Vida (Difusora Remix)

Joutro Mundo – Morena

Kapote – Brasiliko (Byron The Aquarius Remix)

Lenni Sesar – Morris Park (Bonde do Role Remix)mp3

Fink feat. Tina Grace – Take It Easy Brother Charlie (Remix)

Capoeira Twins – Messin Around

John Klemmer – Brasilia

Teresa Lopes Alves – Saudades Do Brasil Em Portugal

Tony Bizarro – Estou Livre

Da Lata – Um Amor A Mais (Pushin Wood Soundsystem Re-Groove)

Stanccione – Quintana (Leo Janeiro & Ossaim Special Room Remix)

Doris Monteiro – Regra Três

Caetano Veloso – Superbacana

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