#011

Spoiler Alert: Movi(e)ng Soundtracks

Esta semana decidi ir dar um giro à vasta e anamórfica paisagem que é o Cinema, mais concretamente às suas trilhas sonoras.

Se descontarmos o cinema musical, a música num filme foi quase sempre relegada para o final, para quando tudo estava já pronto e vinha o “maestro” para reger aquilo que a partitura mandava. O cinema mudo tinha acompanhamento de piano nas salas onde era projectado e depois do aparecimento dos talkies mesmo perdendo o marfim e o ébano a coisa continuou no mesmo registo.  Mas como muitos cineastas sabem do poder que a música pode ter quando conjugada de forma hábil sobre as imagens toda a mise-en-scène sónica passou a ter muitas outras formas de chegar até ao celuloide. 

Muitas vezes vi realizadores com headphones enfiados durante as filmagens (normalmente de cenas  onde não existiam diálogos) para ouvirem snippets musicais trazidos pelo responsável da banda sonora e assim “sentirem” como poderia ser o resultado final. E é assim que há já muito que o compositor, trabalhando em proximidade com o produtor e o realizador, acaba por criar originais que para além de “musicalizarem” os elementos visuais servem muitas vezes como contraponto emocional à trama e acabam assim por adicionar camadas extra de significado narrativo.

As componentes sonoras, musical e folley (bruitage em francês que como o nome indica inventa toda a matéria prima do sound design cinematográfico) são de tal importância que há filmes e séries televisivas em que um trecho da trilha ou mesmo só uma pequena amostra sequencial de umas notas ficaram de tal forma implantadas na nossa memória que o primeiro reconhecimento está sempre nesses negativos onomatopaicos: Twilight Zone – tiri riri tiri riri; Jaws – ouhuuun ouhuuun; Psycho – wyy wyy hyy hyy… para deleite e comprovativo de quem esteja à escuta inclui estes 3 nesta M4we.

Estamos aqui debruçados sobre os scores originais para cinema mas há também famosos casos de curadoria musical como todos os filmes de Quentin Tarantino (preferencias do próprio) ou algumas coisas de Steven Soderbergh no período em que convidava David Holmes para escolher a musica das suas películas. Holmes é um film buff: em 1992 o seu primeiro single “DeNiro” feito a meias com Ashley Beedle samplava o Ennio Morricone de “Once Upon A Time In America”. O sucesso do 12” permitiu um contracto com a Go! Discs e o seu primeiro LP a solo “This Film’s Crap, Let’s Slash the Seats”. Voltando ao freak orelhudo Tarantino tenho de dizer que algumas das suas escolhas são de mestre. Como por exemplo aquela famosa “whistle song” do primeiro Volume de Kill Bill. Aquela que acompanha Elle Driver (Daryl Hannah) a entrar num hospital com a finalidade de eliminar a Beatrix “the Bride” Kiddo (Uma Thurman). Estão a ver qual a música de que estou a falar? Pois chama-se Twisted Nerve e foi originalmente composta por Bernard Herrmann para o filme homónimo realizado por Roy Boulting e que no Brasil foi entitulado de A Morte tem Cara de Anjo (apropriado) enquanto que em Portugal na sua estreia recebeu o nome de O Anormal (vai-se lá saber porquê).  

Irei também deixar de parte as novas sonorizações para filmes clássicos, algo há muito em voga e que tem criado peças extraordinárias. O que me vem logo à cabeça são dois trabalhos do wizard de Detroit Jeff Mills a quem, em 2017 o então ministro da cultura Jack Lang galardoou com a medalha da Ordre des Arts et des Lettres, sonorizando 2 enormes clássicos do cinema mudo, Three Ages de Buster Keaton e Le voyage dans la Lune de George Méliès. 

Isto, como disse, já vem de longe. Nos anos 90, quando vivia em Londres costumava ir a umas festas em cinemas desactivados onde guest stars criavam uma nova banda sonora para uma suposta pista de dança onde a plateia costumava estar. Eram umas festas com ambiente um pouco de vernissage de galeria de arte mas como não ir assistir a Tricky responsável por La Pipe de mon Oncle de Jaques Tati enquanto o Bobby Gillespie se ocupava com o Midnight Cowboy de John Schlesinger?

Começo com One More Kiss, Dear cantada por Don Percival e the fucking odd one out na banda sonora de Blade Runner até porque se encontra bem escondida no filme. Deckard (Harrison Ford) acabou de matar a replicant Zhora (Joanna Cassidy) pelas costas e vai, claro, comprar uma garrafa de Tsin Tao a um vendedor de rua. Só mesmo nesta distópica Los Angeles do futuro poderia estar esta canção a tocar baixinho como que num pequeno rádio a pilhas. Top.

Pelo meio vou de Hollywood a Cannes e de Bollywood à Cinecittà tudo num pulinho, passo de blockbuster para spaghetti western, de peças emocionais para os whaka-whaka das guitarras num funk proveniente do softcore dos 70s. Porque na musica do cinema há lugar para tudo. Para realizadores que trabalham sempre com o mesmo músico e para aqueles que compõem as suas próprias BSOs como John Carpenter. Como só tenho o espaço permitido por 40 temas deixo de lado Antonio Sanchez e o seu trabalho de total improv apenas com um kit the drums e cymbals para o filme Birdman que é uma das coisas mais viscerais que já ouvi mas arranjo um banquinho de madeira na frisa para enfiar o Pierre Raph, colaborador de Jean Rollin em Requiem por un Vampire mas de quem aqui vos deixo Gilda & Gunshots da banda sonora de Jeunes Filmes Impudiques, um filme de Michel Gentil. Aviso ainda que para além de Herrmann também John Barry bisa nesta lista com Thunderball cantado por Tom Jones e com Space Capsule, uma das melhores cues cinematográficas da história da 7ª Arte.

Finalizo numa cena do filme Gumnaam realizado em 1965 por Raja Nawathe para ouvirmos Jan Pahechan Ho cantado por Mohammed Rafi, aqui acompanhado (talvez só para o boneco) por Ted Lyons & His Cubs. Lembro-me que foi aqui a primeira vez que vi a Scarlett Johansson mas lembro-me ainda mais de ficar absolutamente fascinado com a musica que se ouve no filme que está a passar na TV na cena inicial desse Ghost World realizado por Terry Zwigoff a partir do comic de Dan Clowes. Uma cena de culto enfiada subtilmente nos opening credits de um clássico do cinema indie americano, este fim de semana o ponto final tinha de ser nessa nota de canibalismo musical…

Espero que todos produzam e realizem coisas boas este fim de semana…

#staysafe #musicfortheweekend

##############################

This week I decided to go for a stroll on the vast and anamorphic landscape that is the world of Cinema, more specifically its soundtracks.

If we discount musical cinema, all music in a film has been almost always relegated to the end, for when everything is ready and the “conductor” comes to drive what was mapped in the score. Silent cinema had piano accompaniment in the rooms where it was projected and with the appearance of the talkies it may have lost all that ebony and ivory but films continued to be scored in the same “traditional” way. But as many filmmakers know of the power that music can have when skillfully combined over images, all this sonic mise-en-scène devised many new ways of reaching it’s place in celluloid.

I often saw directors filming with headphones tucked in their ears (usually scenes where there was no dialogue), listening to musical snippets brought by the person responsible for the soundtrack so to “feel” how the final result could be. And this is how the composer, working closely with the producer and the director, creates originals that in addition to “musicalize” the visual elements often serve as an emotional counterpoint to the plot and thus end up adding extra layers of narrative meaning.

The sound, composed of music and folley (bruitage in French which, as the name implies, invents all the raw material required by cinematographic sound design) are of such importance that there are films and television series in which just a tiny taste of the track or a small sequential sample of some notes are so implanted in our memory that the first recognition is always of these onomatopoeic negatives: Twilight Zone – tiri riri tiri riri; Jaws – ouhuuun ouhuuun; Psycho – wyy wyy hyy hyy… for the delight and proof of whoever is listening I included these 3 in this M4we.

We are here poring over the original scores for cinema but there are also famous cases of musical curation like all Quentin Tarantino films (his own choices) or some things by Steven Soderbergh when he invited David Holmes to choose the music for his films. Holmes is a film buff: in 1992 his first single “DeNiro” made in partnership with Ashley Beedle sampled the Ennio Morricone of “Once Upon A Time In America”. The success of that 12 ”allowed a contract with Go! Discs and his first solo LP “This Film’s Crap, Let’s Slash the Seats”. Returning to Tarantino’s ears I have to say that some of his options are masterful. Like for example that famous “whistle song” from the first Volume of Kill Bill: the one who accompanies Elle Driver (Daryl Hannah) entering a hospital with the purpose of eliminating Beatrix “the Bride” Kiddo (Uma Thurman). Can you hear what song I’m talking about? It’s called Twisted Nerve and was originally composed by Bernard Herrmann for the homonymous film made by Roy Boulting.

I will also have to leave aside the new scores for classic films, something that has been in vogue for a long time and that has created extraordinary pieces. What comes to mind immediately are two works by the Detroit wizard Jeff Mills, who, in 2017, then Minister of Culture Jack Lang awarded the medal of the Ordre des Arts et des Lettres, sounding out two huge silent film classics, Three Ages by Buster Keaton and Le voyage dans la Lune by George Méliès.

This, as I said, has come a long way. In the 90s, when I lived in London, I used to go to parties in deactivated cinemas where guest stars created a new soundtrack for a supposed dance floor where the audience chairs used to be. These parties had a bit of an art gallery vernissage feel to it, but how could I not go and watch Tricky responsible for La Pipe de mon Oncle by Jaques Tati while Bobby Gillespie was busy with John Schlesinger’s Midnight Cowboy?

I start with One More Kiss, Dear sung by Don Percival and “the fu**ing odd one out” in the Blade Runner soundtrack because it is well hidden in the film. Deckard (Harrison Ford) just killed replicant Zhora (Joanna Cassidy) in the back and shoots off, of course, to buy a bottle of Tsin Tao from a street vendor. Only in this dystopian Los Angeles of the future could this song be playing softly as if on a small battery-powered radio. Top.

Between beats to the intermission gong I go from Hollywood to Cannes and from Bollywood to Cinecittà, hoppin’ from blockbuster to western spaghetti, from emotional pieces to the whaka-whaka of the guitars in a funk from a 70s softcore. Because in cinema there is room for everything. For directors who always work with the same musician and for those who compose their own OST like John Carpenter. As I only have the space alloted for 40 themes, I leave aside Antonio Sanchez and his total improv work with just drums and cymbals for the film Birdman, which is one of the most visceral things I’ve ever heard but I still get a tiny isle seat to usher Pierre Raph, collaborator of Jean Rollin in Requiem for a Vampire but from whom I leave you Gilda & Gunshots from the soundtrack of Jeunes Filmes Impudiques, a film by Michel Gentil. I also want you to notice that in addition to Herrmann, John Barry is also featured twice in this list with Thunderball sung by Tom Jones and with Space Capsule, by far one of the best cinematic cues in the history of 7th Art.

I finish with a scene from the movie Gumnaam made in 1965 by Raja Nawathe so we can hear Jan Pahechan Ho sung by Mohammed Rafi, accompanied here by Ted Lyons & His Cubs. I remember it was here the first time I saw Scarlett Johansson but I recall even better being absolutely fascinated with the music that is heard in the film that’s playing on a TV set in the first scene of this Ghost World made by Terry Zwigoff from the Dan Clowes comic. A cult scene subtly tucked into the opening credits of a classic american indie pic, this weekend’s “the end” title had to be on this particular note of musical cannibalism…

#staysafe #musicfortheweekend

Peter Skellern & Vangelis – One More Kiss, Dear

Prince – Do U Lie

Francis Lai – Un Homme Et Une Femme

Alan Silvestri with Amy Irving – Why Don’t You Do Right

Charles Chaplin – Valse Mange (Charlie Eats His Shoe)

Marilyn Monroe – Heat Wave

Armando Trovaioli – Il Profeta feat. Carmen Villani

Bernard Herrmann – The Knife

John Barry – Capsule In Space

Adolfo Waitzman – Funky Beat

Michael Kamen – The Office

Henry Mancini And His Orchestra – The Pink Panther Theme

Ennio Morricone – Il buono, il brutto, il cattivo

Jevetta Steele – I’m Calling You

John Carpenter – Escape From New York

Jon Brion- Here We Go

Piero Umiliani – Fotomodelle

Marius Constant – The Twilight Zone Theme

Laura Greene – Deep Throat

R. D. Burman feat. Asha Bhosle – Main Hoon Lily

Bernard Herrmann – Twisted Nerve

Roy Budd – Gettin’ Nowhere In A Hurry

Miles Davis – Chez le Photographe du Motel

John Williams – Jaws Main Title

Rod Temperton – Sweet Freedom feat Michael McDonald

Carol Douglas – Doctor’s Orders

Manuel Paulo Felgueiras – Esmeralda, Chiquinho e o Mar

Ray Noble and His Orchestra – Midnight, The Stars And You

Isaac Hayes – Ellie’s Love Theme (Film Version)

Ryuichi Sakamoto – Merry Christmas Mr. Lawrence

Sébastien Tellier – Un géant dans la mer

Seu Jorge – Rebel Rebel

Piero Piccioni – Once And Again feat Shawn Robinson

The Smiths – Please, Please, Please, Let Me Get What I Want

Ruth Hohmann & Erbe – Chor – Das Licht

Victor Young – Prairie Sail Car

Bernard Gerard – Le Crocidile Porte-clé

John Barry – Thunderball feat. Tom Jones

Pierre Raph – Gilda & Gunshots

Mohammed Rafi – Jan Pahechan Ho

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *