#017

Water Pt02 Reaction is an Umbrella

guar.da-chu.va

(ɡwardɐˈʃuvɐ)

plural: guarda-chuvas

nome masculino

: objecto portátil para abrigar da chuva, formado por uma armação de varetas móveis, coberta de pano, e uma haste central que serve de cabo; chapéu-de-chuva

A semana passada dei começo a esta madefacta viagem musical. E comecei pela causa: água.

Água que nos é indispensável e que faz feliz quando nela mergulhamos, seja no mar, numa piscina, num lago ou mesmo no ritual diário do banho.

No entanto quero hoje (na rua estaremos já a chegar aos 30 graus) invocar a reacção que a música popular sempre teve em relação ao mesmo líquido quando em abundância jorra dos céus. Vai-se lá saber porquê (talvez porque a maioria entre nós não é alentejana ou africana e por isso não padecemos dos efeitos da seca ou talvez mal habituados pela Rihanna) mas sempre que a palavra chuva vem à baila já sabemos que a canção fala de sofrimento ou saudade, da minima distancia que vai entre a perda e o perdão.

Talvez por estarem para sempre associados a grey skies, alguns ingleses não podiam ter sido imaginados sem terem um guarda chuva sempre à mão. Lembro-me logo da Mary Poppins a voar pelos céus londrinos ou do John Steed dos Avengers, uma das minhas séries preferidas de infância. Mas tinha mesmo de invocar a Rihanna porque a palavra inglesa umbrella tem muitos outros significados, corporativos, económicos, zoológicos e militares por exemplo, do que o linear proveniente do latim e que nos explica logo como algo que nos traz sombra (umbra).

Parece um contra-senso mas na realidade o guarda chuva é um descendente do parasol. Este objecto já era usado no Egipto cerca de 2500 anos antes de Cristo. Era um símbolo de poder e ostentação, reservado a realeza, normalmente feito de folhas de palmeira e penas. Mas a minha história preferida é contada no épico Mahabharata onde se relata sobre Jamadagni, um prodigioso arqueiro e a sua mulher Ranuka que sempre ia apanhar as suas flechas. Mas uma vez ela levou quase um dia a recuperar o projéctil e culpou o calor do sol pela demora. O marido enfurecido disparou o seu arco ao astro e este, como que a pedir misericórdia, ofereceu a Ranuka um parasol.

A idade Média é o que se sabe, as trevas do espirito, e pelos visto um homem tinha de se molhar ou apanhar uma insolação porque essas “ideias profanas” tinham acabado nos tempos dos malandros dos gregos e romanos que haviam quase efeminado o uso do objecto. Mas as frequentes viagens até ao Oriente no século XVI trouxeram, talvez da China, um regresso do uso do parasol dando origem mais tarde ao parapluie, usado desde os 1660s em França, quando se começou a usar cera para impermeabilizar o tecido de que eram feitos. A palavra no entanto só começou a constar do dicionário da Academia francesa em 1718. O mais engraçado é a literalidade com que na lingua de Camus a combinação das duas funções (parar a chuva e o sol) se chama de en-tout-cas, com total ausência de necessidade de explicações. Sem explicação também fica a ausência de canções francesas na escolha desta semana.

A qual começo da melhor forma com Sunhshower uma das músicas do inaugural e homónimo disco da Dr. Buzzard’s Original Savannah Band datado de 1976 e que está no meu top 10 de discos do século passado. Formada por Cory Daye na voz principal, Mickey Sevilla e Andy “Coati Mundi” Hernandez na bateria e percussões respectivamente e liderada pelos meio-irmãos Browder com Stony encarregue da música e Thomas com a responsabilidade das letras. Este ultimo ficou uns anos mais tarde mundialmente famoso como August Darnell ou seja o Kid Creole das suas Coconuts. Este primeiro projecto no entanto era absolutamente swingy na sua mescla da soul e da disco com as sonoridades das big band da era de ouro do jazz. Sunshower foi já “samplado” pelos A  Tribe Called Quest, De La Soul, M.I.A., Doug E. Fresh e Ghostface Killah, entre muitos outros artistas. Aconselho vivamente este disco a quem nunca o tenha ouvido.

Logo de seguida apresento Hildegard Knef numa canção do seu disco Halt Mich Fest que está neste momento a muito bom preço no Discogs. Dizem as más línguas que Goebbels tinha um fraquinho pela miúda mas reza a lenda que esta para ficar com o seu amante (e director de produção da propagandística Tobis) Ewald von Demandowsky perto do fim da Segunda Grande Guerra vestiu-se de soldado e ajudou na defesa de Schmargendorf quando da invasão soviética. Foi parar a um campo de concentração de onde conseguiu fugir para Berlim. Aí começou finalmente a sua carreira de actriz mas da qual já só ficou para a história uma cena de nudez (a primeira do cinema alemão) no filme Die Sünderin realizado por Willi Forst. Sobre esse episódio tão criticado na altura pela igreja Hildegard comentou só que como podiam dizer coisas num país que tinha feito coisas tão horrorosas como o campo de Auschwitz. “Eu fiquei com o escândalo, os produtores com o dinheiro” escreveu ela numa das suas biografias.

 A terceira escolha é de uma canção menos conhecida de Andy Partridge que compôs no seu projecto XTC esta 1000 Umbrellas logo a seguir ao seu divórcio. Com um soberbo arranjo de cordas que mete Glass Onion dos Beatles não num chinelo mas numa galocha é o perfeito entry point para Rain Rain Rain dos Roxy Music que no seu disco Flesh + Blood estavam já a preparar a elegante formula que em Avalon os elevaria de art rock a pop galáctico.

A partir daí é uma catadupa de chuviscos, tempestades, saraivadas e trovoadas, em russo, em coreano, de Israel até ao Japão passando pela América do Sul e do Norte. Disse que não tinha escolhido nenhuma canção francesa mas a bela El Paraigua é do primeiro disco de Josep Maria Espinàs onde o escritor catalão canta George Brassens. E claro o final, quadragésima canção, o instrumental Nuages, que, para ficar em ton-sur-ton com a M4we da semana passada é um dos mais conhecidos standards de Django Reinhardt, o qual gravou mais de uma dúzia de versões deste tema. Esta versão é a derradeira, Django morreria pouco tempo depois, tirada da compilação Peche à La Mouche – The Great Blue Star Sessions 1947-1953 editado pela Verve em 1992 e é um arranjo mais simples, sem clarinetes nem violino, com o “gypsy king” a tocar guitarra elétrica com Maurice Vander no piano, Pierre Michelot no baixo e Jean-Louis Viale na bateria e que demonstra porque é que nunca há tempestade sem bonança.

Um bom e tempestuoso fim de semana para todos. 

#staysafe #musicfortheweekend

##############################

umbrella

um·​brel·​la  \ ˌəm-ˈbre-lə, especially Southern ˈəm-ˌbre- \

noun

: a collapsible shade for protection against weather consisting of fabric stretched over hinged ribs radiating from a central pole

especially : a small one for carrying in the hand

: something which covers or embraces a broad range of elements or factors

decided to expand … by building new colleges under a federation umbrella

— Diane Ravitch

: the bell-shaped or saucer-shaped largely gelatinous structure that forms the chief part of the body of most jellyfishes

: something which provides protection: such as a defensive air cover (as over a battlefront)

Last week I started this damp musical journey and I commenced with the cause: water.

Water that is indispensable to us and that makes us happy when we dive in it, whether in the sea, in a pool, in a lake or even in the daily bathing ritual.

However I want today (in the street we will be already reaching 30 degrees) to invoke the reaction,  how popular music has always related to this same liquid when it gushes out of the sky in abundance. Here I’ll be finding meanings to why whenever the word rain comes up (perhaps because most of us are not from Alentejo or African and so we do not suffer from the effects of drought or simply because of ill use by Rihanna) we know that the song speaks of suffering or longing, that it tells us a tale about that minimal distance that goes between feeling loss and being lost.

Maybe because of forever associated with gray skies some English people could not have been imagined without having an umbrella always close at hand. I immediately think of Mary Poppins flying across London skies or John Steed from the Avengers, one of my favorite childhood tv series. But I really had to invoke Rihanna because the English word umbrella has so many other meanings, corporate, economic, zoological and military, for example, than the linear origin that comes from Latin and which explains it immediately as something that brings us shadow (umbra).

It seems counter-intuitive but in reality the umbrella is a descendant of the parasol. This object was already used in Egypt around 2500 years before Christ. It was a symbol of power and ostentation, reserved for royalty, usually made of joined palm leaves and painted feathers. But my favorite story is, originally written in Sanskrit, told in the epic Mahabharata where we are told about Jamadagni, a prodigious archer and his wife Ranuka who always caught his arrows. But once it took her almost a day to recover the projectile and she blamed the heat for the delay. The enraged husband shot his bow at the sun and the star, as if asking for mercy, offered Ranuka a parasol.

The Middle Ages is what we already know, the darkness of the spirit, and apparently a man had to get wet or get sunstroke because those “profane ideas” of protection had ended a long time before with those Greek and Roman rascals who had almost made an effeminate use of the object. But the frequent trips to the East in the 16th century brought, perhaps from China, a return to the use of the parasol, later giving rise to parapluie, used since the 1660s in France, when wax was used for the first time to waterproof the fabric from which they were made. . The word however only appeared in the French Academy dictionary in 1718. The funniest thing is the literalness with which in the language of Camus the combination of the two functions (stopping the rain and the sun) is called en-tout-cas, with no need for explanations. Without explanation as well this time is the total absence of French songs in this week’s playlist…

Which I start with Sunhshower one of the songs from Dr. Buzzard’s Original Savannah Band’s inaugural and homonymous album dated from 1976 and which is in my all time top 10 records list. Formed by Cory Daye in charge of the the main vocals, Mickey Sevilla and Andy “Coati Mundi” Hernandez on drums and percussions respectively and led by the Browder half brothers with Stony in charge of music and Thomas with the responsibility of the lyrics. The latter became world famous a few years later as August Darnell or the Kid Creole of his Coconuts. This first project however was absolutely swingy in its mix of soul and disco with the sounds of the big bands of the golden age of jazz. Sunshower has already been sampled by A Tribe Called Quest, De La Soul, M.I.A., Doug E. Fresh and Ghostface Killah, among many other artists. I strongly advise this album to anyone who never heard it.

Right after that, I present Hildegard Knef in a song from her album Halt Mich Fest, which is currently at a very good price on Discogs. Berating tongues say that Goebbels had a soft spot for the girl, but legend has it that in order to stay with her lover (and production manager for propaganda studio Tobis) Ewald von Demandowsky near the end of World War II she dressed as a soldier and helped defense of Schmargendorf during the Soviet invasion. She ended up in a concentration camp from  where she managed to escape to Berlin. There she finally began her career as an actress but of which only one nude scene (the first in German cinema) in the film Die Sünderin directed by Willi Forst has remained in history. About this episode so criticized at the time by the church Hildegard commented only how they could say things in a country that had done such horrible things as the Auschwitz camp. “I was left with the scandal, the producers with the money” she wrote in one of her biographies.

The third choice is for a lesser known song by Andy Partridge who composed this 1000 Umbrellas in his XTC project right after his divorce. With a superb string arrangement that puts the Beatles’ Glass Onion not in a slipper but in a galoshes, it is the perfect entry point for Rain Rain Rain by Roxy Music who on their album Flesh + Blood were already preparing the elegant formula that in Avalon would elevate them from art rock to galactic pop.

From there onwards it’s a cascade of drizzles, monsoons, deluges and thunderstorms, in Russian, in Korean, from Israel to Japan passing through South and North America. I said I had not chosen any French song this week but the beautiful El Paraigua is from Josep Maria Espinàs’ first album where the Catalan writer sings George Brassens. And of course the final, fortieth song, the instrumental Nuages, which, to stay in ton-sur-ton with last week’s M4we, is one of Django Reinhardt’s best-known standards, as  he recorded over a dozen versions of this theme. This one is the ultimate, Django would die shortly afterwards, and is taken from the compilation Peche à La Mouche – The Great Blue Star Sessions 1947-1953 published by Verve in 1992, with a much simpler arrangement, without clarinets or violin, with the “gypsy king” playing the electric guitar with Maurice Vander on the piano, Pierre Michelot on bass and Jean-Louis Viale on the drums and that demonstrates why even today there is no storm without a calm afterwards.

I hope you all have quite a stormy weekend

#staysafe #musicfortheweekend

Dr. Buzzard’s Original Savannah Band – Sunshower

Hildegard Knef – Für mich soll’s rote Rosen regnen

XTC – 1000 Umbrellas

Roxy Music – Rain Rain Rain

Judy Garland – Come Rain or Come Shine

Quantic – Life In The Rain [Carl Faure Mix]

The Hollies – Bus Stop

Carminho – Chuva No Mar (com Marisa Monte)

Dee Clark – Raindrops

The Centuries – Beach Umbrella World

Ann Peebles – I Can’t Stand The Rain

Flanagan & Allan – The Umbrella Man

Ryuichi Sakamoto  – Rain

Sarah Vaughan – Stormy Weather

Ike Reiko – 雨がやんだら

Yonderboi – Riders On The Storm

Mico – After Rain

Josep Maria Espinàs – El Paraigua

Japan – Don’t Rain On My Parade

Dionne Warwick – Raindrops Keep Falling on My Head

The Internal Tulips – Parasol

Anna Fialová – Já a deštník

Elizabeth Viana – Meu Guarda Chuva

Mint Royale – Singin’ in the Rain

Grupo Fantasma – Nubes

NCT 127 – ‘우산 (Love Song)

Big Maybelle – Rain Down Rain

The Ronettes – Walking In The Rain

The Fortunes – Here Comes That Rainy Day Feeling Again

Песни моря – Ты, я, мы и зонтик

The Weather Girls – It’s Raining Man

Elza Soares – Chove Chuva

Lowheads – Gentle Rain ft. Tomomi Ukumori

Loopless – Raining Down

Scott Bradlee’s Postmodern Jukebox feat. Casey Abrams – Umbrella

The Nahal Band – גשם בוא

Tatsuro Yamashita – 雨の女王 (Rain Queen)

Scott Walker – It’s Raining Today

Amigos – Lluvia En Tus Mejillas

Django Reinhardt – Nuages

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *