#026
L’Africa Ce’chica
Pantsula, funaná, highlife, soul sega, makossa, electro acholi, marrabenta, benga, afrobeat, coladeira e muitas outras coisas mais…
Como acabei a M4we da semana passada com African Dance de Kalyanji Anandi já se estava mesmo a ver que vinha aí uma mudança de continente. É por isso que vindo pelo mar Índico e entrando em África pela ilha Mauricia, começo esta semana com Soul Sock Sega, um clássico de Roland Fatime, mais conhecido como Ti L’Afrique, cantor, compositor e músico reconhecido como o inventor da “Soul Sega”, um estilo que valoriza mais a qualidade musical do que o simples convite à dança. As edições em vinil das suas segas são muito procuradas e tenho a agradecer à editora suíça Les Disques Bongo Joe pela maravilhosa compilação Soul Sega Sa! Indian Ocean Segas from the 70’s editada em 2016 pelas maravilhosas pérolas dignas de um escafandrista destemido.
Quando comecei a sair em Lisboa em 1979 a cidade começava a viver num corrupio de cosmopolitanismo galopante, com acesso a muita música africana, a maior parte dela proveniente de antigas colónia portuguesas. Ainda estávamos longe da acessível profusão de outras musicalidades africanas como temos hoje em dia, fruto da incrível “rebuscagem” que tem sido feita nos baús da Mãe Africa. Se toda a vida lá começou poderemos sempre julgar que a música também terá as suas origens mais remotas por essas bandas.
Dada a vastidão do continente, a sua tradição sonora é historicamente antiga, rica e diversificada, identificada numa linha de música não escrita, polirritmica e centrada quase sempre numa construção de pergunta-resposta quer na passagem da cultura oral de diferentes tribos como na presença de todos outros instrumentos. No entanto o que se ouvia por cá nos primórdios dos 80s quando o jornalista da revista Actuel Serge Thomas veio a Lisboa eleger os Heróis do Mar como arautos de um pop rock latino altamente envolvido na cena afro da cidade era acima de tudo as sonoridades cabo-verdianas, o Bana ou a Lontra eram privilegiados para a dança nocturna e um certo endereço “clandestino” preparado para encher com cachupa qualquer barriga a dar horas.
Talvez por isso que a segunda escolha é logo “a rebentar” com Marê Lili pela Voz di Sanicolau, grupo que em 1976 se reuniu num pequeno estúdio em Rotterdam para gravar em poucos dias um disco que iria deixar história porque a sua cantora Joana do Rosário, fundamental no som da banda, acabaria por ser a primeira mulher de Cabo Verde a gravar um LP, quase dez anos antes de Cesária Évora que só havia gravado um 7” em 1965 também na Holanda e que só registaria o seu homónimo LP de estreia em 1987.
Salto para a Nigéria, para Shake Hands de Gerald Emeka Pine, mais conhecido como Geraldo Pino, cantor e guitarrista da Serra Leoa e um dos primeiros artistas a ter sucesso ao incorporar o funk americano à crescente cena Afrobeat da África Ocidental de meados ao final dos anos 60. A um som estilo James Brown Pino infundiu fortes elementos percussivos africanos e a postura revolucionária que permeava toda a África na época juntando ainda ao “caldeirão” os sons distintamente funk do órgão Hammond B-3.
Com os seus espectáculos esgotados na Nigéria, deixou na altura uma forte impressão em Fela Kuti. Kuti então seguiu o exemplo e incorporou elementos funk semelhantes nas suas composições e gravações. Diz-se que Kuti mudou-se então para a América para promover sua música, porque não acreditava que pudesse competir com a popularidade de Geraldo Pino na África Ocidental. A mudança foi benéfica para Kuti, que imediatamente chamou a atenção dos produtores e público ocidentais. Enquanto isso, Geraldo Pino e sua influência no desenvolvimento do Afrobeat permaneceram relativamente desconhecidos fora da África até há bem pouco tempo.
Menciono Fela Kuti e lembro-me de tantos que poderiam ter ingressado nesta M4we. Kuti ficou de fora mas dei lugar ao seu filho varão, Seun Kuti. Como mencionei atrás Cesária La Diva aux Pieds Nus Évora, que já aqui teve lugar de destaque ao lado de Caetano e Sakamoto teve de dar lugar a outros conterrâneos. Um deles tinha mesmo de estar aqui, António Vicente Lopes aka Travadinha, que em 1986 gravou o único LP que conheço, editado originalmente pela Associação De Amizade Portugal – Cabo Verde e re-editado um ano depois pela Dargil. Muita pista de dança chocalhei eu na altura com certos temas deste Futecêra d’Cor Morena, hulala…
Deixei lugar para verdadeiros “rogues” da cena africana: Nayanka Bell, uma ebúrnea (nome um tanto ou quanto depreciativo mas admitido pela nossa língua para designar os costa-marfinêses) que tem uma vida artística que dava uma telenovela; Hibo Nuura da Somalia e Kakai Kilonzo do Quénia ou o agrupamento Bosmic Otim do Uganda ou os Witch da Zambia, acrônimo para W.I.T.C.H. significando We Intend To Cause Havoc, verdadeiros “punkesitos” que em 1974 gravaram o primeiro album comercial lá na terra deles.
Mas nem só com memórias distantes fui decorando esta seleção e assim deixo umas quantas jóias mais contemporâneas: Sean Munnick com Do It Duidelik, um top rap afrikaans ou Joka Joka, um clássico Cosmic Temple do mestre italiano Daniele Baldelli, logo a seguir à parceria de Arp Frique com Americo Brito em Nós Magia.
Acabo em beleza com um blues angolano, Muxima, standard do cancioneiro local interpretado por Nuno Mindelis muito bem acompanhado por Flora Purim e Airto Moreira.
E só isso já deve levantar um pouco o véu sobre o quem aí na próxima semana…
Desejo, como sempre que tenham uma semana plena de dança e boa disposição apesar do constrangimento em que todos vivemos.
#staysafe #musicfortheweekend
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Pantsula, funaná, highlife, soul sega, makossa, electro acholi, marrabenta, benga, afrobeat, coladeira and so many other things…
Maybe because I finished last week’s M4we with Kalyanji Anandi’s African Dance, one could already feel an eminent change of continent. That’s why coming across the Indian Sea and entering Africa through Mauritius, I start this week with Soul Sock Sega, a classic by Roland Fatime, better known as Ti L’Afrique, singer, songwriter and musician recognized as the inventor of “Soul Sega “, a style that values musical quality more than the simple invitation to dance. The vinyl editions of its segas are very popular but hard to get so I have to thank the Swiss publisher Les Disques Bongo Joe for the wonderful compilation Soul Sega Sa! Indian Ocean Segas from the 70’s published in 2016 for some wonderful pearls worthy of any fearless sonic diver.
When I started to go out clubbing in Lisboa in 1979, the city was blossoming in a riot of rampant cosmopolitanism, with access to a lot of African music, most of it coming from old Portuguese colonies. We were still far from the accessible profusion of other African musicalities such as we have today, as a result of the incredible “digging” that has been done through so many “memory chests” of Mother Africa. And if all life started there we can always judge that music as we know it will also have its most remote origins in these parts.
Given the vastness of the continent, its sonorous tradition is historically old, rich and diverse, identified in a line of unwritten, polyrhythmic music and centered most of the time on a question-answer construction, both in the passage of the oral culture of different tribes and in the presence of all other instruments. However, what was heard around here in the early 80s when Actuel journalist Serge Thomas came to Lisbon to elect our group Heróis do Mar as heralds of a Latin pop rock highly involved in the city’s Afro scene was, above all, Cape Verdean sounds being Bana and Lontra privileged for dancing while a certain “clandestine” address in Poço dos Negros would fill any belly tic-toquing in hunger with a hearty cachupa.
Perhaps that is why my second choice is an anxious speed burst with Marê Lili by Voz di Sanicolau, a group that in 1976 met in a small studio in Rotterdam to record in a few days a disc that made history because its singer Joana do Rosário, fundamental in the sound of the band, would end up being the first woman from Cape Verde to record an LP, almost ten years before Cesária Évora who had only recorded a 7” in 1965 also in Holland and who would only premiere her eponymous album in 1987.
I jumpcut to Nigeria with Shake Hands by Gerald Emeka Pine, better known as Geraldo Pino, singer and guitarist originaly from Sierra Leone and one of the first artists to succeed in incorporating American funk into the growing West African Afrobeat scene mid to the end of the 1960s. Into a James Brown style sound he infused strong African percussive elements and the revolutionary stance that permeated all of Africa at the time, adding to the “cauldron” the distinctly funky sounds of the Hammond B-3 organ.
With his shows sold out in Nigeria, he left a strong impression on Fela Kuti at the time. Kuti then followed suit and incorporated similar funky elements into his compositions and recordings. It is said that Kuti then moved to America to promote his music, because he did not believe that he could compete with Geraldo Pino’s popularity in West Africa. The move was beneficial for Kuti, who immediately caught the attention of Western producers and audiences. Meanwhile, Geraldo Pino and his influence on the development of Afrobeat remained relatively unknown outside Africa until quite recently.
I mention Fela Kuti and I remember so many who could have joined this M4we. Kuti was left out but I made way for his son, Seun Kuti. As I mentioned earlier Cesária La Diva aux Pieds Nus Évora, which has already played here a prominent role alongside Caetano and Sakamoto had to make room for other of her “cousins”. One of them had to be here, António Vicente Lopes aka Travadinha, who in 1986 recorded the only LP I know, originally published by Associação de Amizade Portugal – Cabo Verde and re-published a year later by Dargil. I rattled a lot of dancefloors at the time with certain themes from this Futecêra d’Cor Morena, hulala…
And I still left room for some true “rogues” of the African scene: Nayanka Bell, an Ebonian (a somewhat derogatory name but admitted by the portuguese language to designate the Ivorians) who has an artistic life that would very easily make a telenovela; Hibo Nuura from Somalia and Kakai Kilonzo from Kenya or the Bosmic Optim group from Uganda or the Witches from Zambia, acronym for W.I.T.C.H. meaning We Intend To Cause Havoc, true “punks” that in 1974 recorded the first commercial album in their homeland.
But not only with distant memories did I decorate this selection and so I leave a few more contemporary gems: Sean Munnick with Do It Duidelik, an African top rap or Joka Joka, a classic from the Cosmic Temple by the Italian master Daniele Baldelli, right after the partnership of Arp Frique with Americo Brito in Nós Magia.
I get to the finish line in true beauty with an Angolan songbook standard, Muxima, played in his great bluesey style by Nuno Mindelis very well accompanied here by Flora Purim and Airto Moreira.
And that alone should lift the veil over the what and where to are we going next week…
I wish, as always, that you all have a week with plenty of dancing and mighty fine good mood despite the restraint and constraints in which we all live.
#staysafe #musicfortheweekend
Ti L’Afrique – Soul Sock Sega
Voz di Sanicolau – Marê Lili
Geraldo Pino – Shake Hands
Nayanka Bell – Just A Boogie
Dur-Dur Band – Shaleedayaa (By Myself)
Starlight – Picnicing
Chipukizi Rumba – Nimepata Mpenzi, Mtoto Mzuri (I Got a Young, Beautiful Girl)
Olinga Gaston – Ngon Engap
Cheikh Lo – Shakaralady (Edit By Mr. K)
Abeti – Liwela
Abel Lima – Corre Riba, Corre Baixo
Hibo Nuura – Haddii Hoobalkii Gabay (If the Artist Let’s You Down)
Vijana wa Mbeya with Jim D. Gondwe – Siwezi Kuiacha Rumba (I Cannot Give Up Rumba)
Myriam Makeba – L’Enfant Et La Gazelle
Irene Buyiswa Ndumo & The Jury Mpelho Band – Puma Endlini Yam
Witch – No Time (Pilooski Edit)
Bébé Manga – Lokognolo
Jo Tongo – Those Flowers
Arp Frique & Americo Brito – Nós Magia
Daniele Baldelli – Joka Joka
Emmanuel Jal – Kuar (Henrik Schwarz Remix)
Sean Munnick – Do It Duidelik
Norbert de Magaro – Pipi na Dongo (Candy and Okra)
Fefé di Calbicera – Tra Tchapéu
N’Kassa Cobra – BaDJuda Bonito
Os Úntués – Chi bo sa migu di vede
Gilbert Le Funk – Afrikantastique
Bernard Ntone – Mussoliki
Seun Kuti & Egypt 80 – Kuku Kee Me
Kakai Kilonzo & Les Kilimambogo Brothers – Bibi Yangu Nakupenda
Uppers International – Dankasa
Mukhtar Ramadan Iidi – Baayo (Hey Woman)
Scotch Band – Watsotasama
Bosmic Otim – Bandera Pa Kaka
Ignace de Souza & The Melody Aces – Asaw Fofor
Ekambi Brillant – Africa Africa
Heróis do Mar – Africana
Travadinha – Flor Formosa
Tiago Correia-Paulo – Entre Tempos (Primeira Revolução)
Nuno Mindelis – Muxima (Feat. Flora Purim & Airto Moreira)