#033

Exodus, movement of Jah people!

Pt02 Monkey Business on 3rd Island

Quem já esteve numa ilha, completamente rodeado por água, acabou por perceber o sentido de insularidade, palavra que alberga todo um peso de afastamento, êxodo dos modos comuns da vida habitual.

Porque uma ilha tanto pode ser um refúgio como uma prisão. No mundo da música Lenny Kravitz, Shakira, Celine Dion e Richard Branson tem todos ilhas privadas onde vivem por vezes. No entanto o pequeno continente da Austrália, uma massa tão grande de terra toda rodeada por água (e por isso uma enorme ilha) foi povoada pelos ingleses com reclusos sociais e outras personalidades não desejadas em terras de Sua Majestade.

Há ilhas naturais e outras que de artificial não parecem ter nada mas que enganam muito bem. Continentais, fluviais, oceânicas ou vulcânicas, há ilhas para todo o gosto e feitio. Pedaços de terra situados numa deriva líquida e para os quais se inventou a moda de se escolher música sem a qual não poderíamos existir.  Como os Desert Island Discs da Beeb 4 onde os convidados tidos como castaways são convidados a escolher discos e um outro objecto inanimado que não garanta a evasão da dita cuja ilha deserta. Se bem me lembro quando chegou a vez de John Cleese este escolheu um trecho da Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni, o famoso hino da Páscoa, Inneggiamo il Signor non è morto cantado por Maria Callas. É com essa escolha que vos deixo esta semana deixando a dica que o “objecto inanimado” preferido pelo Monty Phython foi nem mais nem menos que Michael Palin desde que este estivesse “morto e empalhado”.

Para trás ficam outras trinta e nove “ilhas” sonoras de atributos variados. E se começo com Island of Dreams, editado em 1957 no album Exotica Volume II é porque Martin Denny melhor que ninguém compreendia o que nos fazia viajar (umas quantas décadas antes das low cost e dos airbnb). Sem recurso a clichés tipo sons do mar batido, gaivotas, blábláblá, este enorme dramaturgo do escapismo sabia como nos meter em modo expedicionário ao som da vitrola.

A denotar que esta semana os sons do calypso e do beguine contaminam a M4we. Por razões óbvias. Haruomi Hosono, por exemplo, apesar de ter nascido no arquipélago do Japão, era com os ritmos provenientes de outras ilhas que fazia transportar exotismo para as suas criações musicais. E é para aí que tudo está a apontar esta semana: musica que nos faz sonhar e assim fugir ao dia-a-dia cinzento e enfadonho.

Freud considera uma cota de fantasia escapista um elemento necessário na vida dos seres humanos: “Eles não podem subsistir da escassa satisfação que podem extorquir da realidade. “Simplesmente não podemos prescindir de construções auxiliares”, juntou Theodor Fontane. Os seus discípulos, entre eles Thomas Mann, viam o descanso e a realização do desejo (em módicas quantias) como ferramentas úteis ao ajustamento a um transtorno traumático; enquanto psicólogos posteriores destacam o papel das distrações indiretas na mudança de estados de ânimo indesejados, como a raiva e a tristeza.

I went this morning to the cemetery

To see old Rudy Valentino buried

Lipstick traces on his name

He never looked down

‘Cause they were making crazy sounds

From Central Park to shanty town

He always heard that crazy sound

There’s always something else

Don’t look down, no

David Bowie – Don’t Look Down

Nasci em Macau, um istmo com estigma de ilha até há bem pouco tempo. Lembro-me da primeira vez que fui a Mont-Saint-Michel algures nos 70s e achar maravilhosa a sensação de quando a maré subia e a única scape route ficava cortada, descobrindo assim tempo para provar aquela famosa omelette de la mère Poulard para, de barriga cheia, visitar o santuário do arcanjo São Miguel.

Para quem possa interessar aqui fica a resposta de Annette Boutiaut Poulard à demanda do restaurateur parisiense Robert Viel quando ele lhe pediu a receita da sua famosa iguaria: “je casse de bons œufs dans une terrine, je les bats bien, je mets un bon morceau de beurre dans la poêle, j’y jette les œufs et je remue constamment. Je suis heureuse, Monsieur, si cette recette vous fait plaisir”.

Porque os prazeres mais simples são quase sempre de uma marcante indelebilidade escolho I Am tirado de Fresh Fruit in Foreign Places, album de Kid Creole e as suas Coconuts. August Darnell é outro repetente destas minhas listas talvez porque o seu showmanship soube sempre tão bem criar universos de plácido êxtase. Este disco que deu à costa um só ano depois de Off the Coast of Me começa a preparar o reconhecimento mundial que viria a conhecer com Tropical Gangsters. É também por essa razão que escolho Não tem Nada Não, gravado por Marcos Valle com os Azymuth como banda suporte em 1973 no LP Previsão do Tempo que ainda hoje continua em rotação de 33 no gira-discos lá de casa.

Outras escolhas possíveis ficam pelo caminho até à meta. Ao preferir uma espécie-de-playlist para ouvir numa qualquer ilha à escolha (fica aqui um piscar de olhos a amigos da ilha Terceira nos Açores) deixo de lado aqui variados trechos possíveis de incorporar esta semana. Repare-se como Exodus, faixa que entitula este tríptico não está submetida a escrutínio. Em 1978, a Polygram como editora encarregada do catálogo da Island Records em Portugal decidiu pôr no mercado o duplo live Babylon by Bus de Bob Marley & The Wailers. Estava eu muito bem em aulas no liceu D. João de Castro quando soube que na Rua Castilho, algures perto do hotel Ritz ia estar parqueado um autocarro americano igual aquele utilizado na digressão de Marley e motivo do artwork do album. Eu e um colega meu que desviei das nossas obrigações escolares fomos até lá e passámos uma inimaginável tarde musical. “Milhentos” videoclips do resto do roster da Island, editora fundada em 1959 por Chris Blackwell, Graeme Goodall e Leslie Kong mas que nestes finais dos 70s já estava envolvida em música muito mais edgy relegando as edições provenientes da ilha da Jamaica para a sua subsidiaria Trojan Records. Tudo isso regado com o conteúdo de um caldeirão de Piña Colada. Uma tarde em beleza como se pode presumir…

Uh! open your eyes and look within

Are you satisfied (with the life you’re living)? uh!

We know where we’re going, uh!

We know where we’re from.

We’re leaving babylon,

We’re going to our father land.

Bob Marley – Exodus

Este fim de semana deixemos que os pontos de partida importem na escolha de onde queremos chegar.

#staysafe #musicfortheweekend

##############################

Anyone who has ever been on an island, completely surrounded by water, ended up discerning the true sense of insularity, a word that holds a weight of distance, an exodus from the patterns of common life.

Because an island can be both a refuge and a prison. In the music world Lenny Kravitz, Shakira, Celine Dion and Richard Branson all have private islands where they sometimes live. However, the small continent of Australia, large landmass surrounded by water and therefore a huge island, was populated by the English with the social recluse and other unwanted personalities from the “european” Majesty’s land.

There are natural islands and others that of artificial seem to have nothing but that prove that looks can be very deceiving. Continental, fluvial, oceanic or volcanic, there are islands for every taste and shape. Pieces of land located in a liquid drift and for which the fashion of choosing music without which we could not exist was invented. Like the Desert Island Discs program on Beeb 4 where guests considered castaways are invited to choose songs and one inanimate object that does not guarantee the evasion of so-called desert island. If I remember correctly when John Cleese’s turn came, he chose a passage from the Cavalleria Rusticana by Pietro Mascagni, the famous Easter hymn, Inneggiamo il Signor non è morto sung by Maria Callas. It is with this choice that I leave you this week uncovering that the “inanimate object” preferred by the Monty Phython was neither more nor less than Michael Palin on the condition that he was dead and stuffed.

Behind them subside another thirty-nine sonic “little isles” of varying magnitudes. And if I start with Island of Dreams, published in 1957 on the album Exotica Volume II, it is because Martin Denny better than anyone else understood what made us travel (a few decades before low cost airfares and airbnb). Without resorting to clichés like wave sounds, seagulls, blah blah blah, this enormous escapism dramatist knew how to put us in expeditionary mode with the sound coming from a record player.

To denote that the sounds of calypso and beguine contaminate this week’s M4we. For obvious reasons. Haruomi Hosono, for example, despite being born in the archipelago of Japan, it was with the rhythms from other islands that he carried exoticism to his musical creations. And this is where to everything is pointing in my selection: music that makes us dream and thus escape the gray and boring day-to-day life.

Freud considers a quota of escapist fantasy to be a necessary element in the life of human beings: “They cannot subsist on the little satisfaction they can extort from reality. “We simply cannot do without auxiliary constructions”, added Theodor Fontane. His disciples, including Thomas Mann, saw how rest and the fulfillment of desire (in modest amounts) as useful tools for adjusting to a traumatic disorder; while later psychologists highlight the role of indirect distractions in changing unwanted moods such as anger and sadness.

I went this morning to the cemetery

To see old Rudy Valentino buried

Lipstick traces on his name

He never looked down

‘Cause they were making crazy sounds

From Central Park to shanty town

He always heard that crazy sound

There’s always something else

Don’t look down, no

David Bowie – Don’t Look Down

I was born in Macau, an isthmus with an island stigma until very recently. And I remember the first time I went to Mont-Saint-Michel sometime in the 70s and found it wonderful when the tide went up and the only scape route was cut, thus finding time to taste that famous omelette de la mère Poulard and, now on a full belly, stroll to the sanctuary of the archangel Saint Michael.

For anyone who might be interested here’s Annette Boutiaut Poulard’s answer to Parisian restaurateur Robert Viel when he asked for the recipe for her famous delicacy: “je casse de bons œufs dans une terrine, je les bats bien, je mets un bon morceau de beurre dans la poêle, j’y jette les œufs et je remue constamment. Je suis heureuse, Monsieur, si cette recette vous fait plaisir”.

Because the simplest pleasures are almost always markedly indelible I choose I Am from the Fresh Fruit in Foreign Places album recorded in 1981 by Kid Creole with a little help from his Coconuts. August Darnell is another regular of these lists of mine, perhaps because his showmanship always knew how to engender universes of placid ecstasy. This album that hit the coast of our perceptions just one year after Off the Coast of Me begins to prepare for the worldwide recognition that he would come to know with Tropical Gangsters. It is also for this reason that I choose Não tem Nada Não, recorded by Marcos Valle with Azymuth as a support band in 1973 in the LP Forecast of Time, which still continues in rotation at 33 on the turntable at home.

Other possible choices lie by the way to the finish line. By being more partial to a kind of playlist to be listened on any island of your choice (here’s a wink to friends from Terceira Island in the Azores) I leave aside several possible tracks that I was unable to incorporate. Notice how Exodus, the track that entitles this triptych is not at all subject to scrutiny. In 1978, Polygram as the publisher in charge of the Island Records catalog in Portugal decided to put on the market the Bob Marley & The Wailers’s double live album Babylon by Bus. I was in class at the D. João de Castro high school when I heard that in Rua Castilho, somewhere near the Ritz hotel, would be parked an American bus just like the one used in Marley’s tour and the reason for the album’s artwork. Me and a colleague of mine decided to deviate from our school duties and went there spending an unimaginable musical afternoon. What looked like a “million” video clips from the rest of the roster of Island Records, an imprint founded in 1959 by Chris Blackwell, Graeme Goodall and Leslie Kong but who in this late 70s was already involved in much more edgy music relegating editions from the island of Jamaica to their subsidiary Trojan Records. All this washed down with the contents of cauldron filled to the brim with Piña Colada. A regal afternoon as you can ever imagine one…

Uh! open your eyes and look within

Are you satisfied (with the life you’re living)? uh!

We know where we’re going, uh!

We know where we’re from.

We’re leaving babylon,

We’re going to our father land.

Bob Marley – Exodus

This weekend let the starting points matter when choosing where we want to arrive.

#staysafe #musicfortheweekend

Martin Denny – Island of Dreams

David Bowie – Don’t Look Down (US Single Remix)

Manfredo Fest – Jungle Cat

Jean Constantin – Pas Tant de D’Chichi Ponpon

Johnny Gentle – Milk from the Coconut

Masayoshi Takanaka – Bamboo Vendor

Kid Creole & The Coconuts – I Am

The John Buzon Trio – Caravan (Eat Static Remix)

The Wildmen – King of the Jungle

Andy Williams – House of Bamboo

Kostas Bezos and the White Birds – Λιλόγκα (Lilonga)

Marcos Valle – Não Tem Nada Não

Haruomi Hosono – Exotica Lullaby

Bill Haley & His Comets – Chick Safari

Peggy Lee – The Boy From Ipanema

Rolling Stones – Miss You (Remix Edit By Mr. K)

King Somalie – Monkey ‘s Dance

Buddy Sativa – Una Peripecia

Chakachas – Soledad

Pulsallama – Ungawa Pt. II (Way Out Guyana)

Psychemagik – Wildman

Bill Brewster – Where There’s Muck, There’s Brass

Johnny Price – Marijuana, the Devil Flower

Dr. Samuel J. Hoffman – Deep Purple ‘S Wonderful

Leonardo Marques – Dia Real De Um Sonho Comum

Betty Smith and the Malcolm Lockyer Group – Stormy Weather

Yuji Toriyama – Bay/Sky Provincetown 1977

Ban – Dias Atlânticos

Trini Lopez – Unchain my Heart

Sabrina Malheiros – Sintonia

Smoove & Turrell – Fade Away (Fouk Remix)

Opolopo – Sickla Quay Coasting

Basile de Suresnes – Jazz After Sex

Sleep D – Austral Aura

Zopelar – Boogie da Paz

Who Killed Bruce Lee – Pool Party (Jade’s Drop It Like It’s Not Remix)

Gruppo Sportivo – Blah Blah Magazines

Laranja Freak – Alergico a Flores

Sepehr – Rooz-E Marg (outro) feat. Sahra

Pietro Mascagni – Inneggiamo il Signor non è morto (Easter Hymn)

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *