#042
Turning Japanese, I really think so
Algures em 1977 meti na cabeça que queria ter uma aparelhagem de som “como deve ser”. Trabalhei durante dois Verões para comprar uma rack Akai com upgrade nas colunas. Adorava esse meu hi-fi que assim começou a minha relação com tudo o que era made in Japan.
No princípio do 80s comecei a dar ouvidos à música feita por esses lados do mundo. A culpa, claro, era dos Yellow Magic Orchestra, crocante trio maravilha composto por Sakamoto, Hosono e Takahashi, que para a pop nipónica eram como um tonkatsu se o schnitzel representasse de alguma forma os Kraftwerk…
E assim comecei a prestar atenção a outras coisas e à “qualidade estúpida” que tinham as prensagens dos discos japoneses. Por cá pouco ou nada aparecia mas em voltas pela Europa ia-se encontrando umas coisas. Lembro-me do “crepitar do desejo” quando em Paris apanhei o maravilhoso 音楽図鑑, Ongaku Zukan, que Sakamoto viria a re-editar no mercado internacional com o nome de Illustrated Musical Encyclopedia.
Vivi o resto da minha vida num binário de adoração e repúdio em relação à cultura do país do Sol Nascente. Se por um lado não liguei quase nada ao manga e ao anime por outro era na música que o meu lado shijin-rui se desforrava. Principalmente com a descoberta da シティ・ポップ, shitī poppu, ou city-pop, género musical começado nos finais dos 70s e que através da década seguinte foi identificadora de tantas novas tendencias tecnológicas, como o Sony Walkman, carros com leitor de cassete e alguns dos instrumentos produzidos pela Roland e a Yamaha. Música definitivamente citadina e destinada aos wakai urbanos, sons que se descartavam um pouco da tradição nipónica ao abraçar outras influências americanas, do soft-rock ao boogie e ao funk em fusão com as “tropicalidades” de Okinawa, Caribe e Brasil.
Passaram muitos anos até que fizesse finalmente uma incursão física ao Japão. Tokyo, Osaka e Kyoto, triangulo indispensável a uma primeira ida (na verdade é quase uma linha recta num comboio-bala). Kyoto, cidade mais plena de tradições ancestrais, Osaka paraíso gastronómico e Tokyo, um verdadeiro mundo à parte que nem sequer “se perde na tradução”. Já me tinha dado com japoneses quando vivia em Londres no entanto foi a vê-los “a jogar em casa” que percebi melhor o team.
Ligados à tradição mas sempre a olhar em frente, por onde o sprawl urbano anti-sismico deixasse a imaginação ver futuros possíveis. Joviais e alegres, como que hiper dotados de kōkishin, uma curiosidade igual à das crianças e no entanto obcecados com o perfeccionismo. Em Osaka estive num restaurante onde o chef só fazia gyozas. De dois sabores. Não devia ser preciso dizer que foram as melhores que já comi. E ainda ontem li sobre Keiko Kuroshima, uma sommelier de molho de soja, a primeira mulher no mundo nesse cargo. O que nos leva a perceber que bem podemos decidir numa especialização em algo que nos interessa, que é necessária e que não fazia parte do role de desejos de formação que os nossos pais tinham para nós.
Foi afinal esse “sentido de missão” que “fez plim” no meu coração, um eterno modo de fanhood em que os japoneses vivem e que me aproximou deles a um nível relacional.
A forma com que os clubbers adulavam os artistas quando em Tokyo fui ao Unit ver o Shigeto e que me fez lembrar porque é que durante tanto tempo havia discos gravados “live at The Budokan”. Na altura em que fui ao Japão já o negócio fisico da venda de música andava pela hora da morte, no entanto a Tower de Shibuya tinha todos os seus andares cheios de vida, repletos de pessoas a descobrir e a comprar novidades musicais. Foi lá que descobri, entre tantas outras coisas, os Lucky Tapes e ganhei um bilhete para os ver ao vivo duas semanas mais tarde, prenda que ofereci à on’nanoko que estava na caixa de pagamento. Desse album, The Show, retirei a faixa Friday Night. Dream pop num disco de sonho.
What The Magic Is To Try, publicado em 1980 pelos Honma Express no seu único album You See I… deu luta para conseguir te-lo, já que nunca teve re-edição, nem mesmo no Japão. O que me valeu foi a descoberta de que esse disco teve na altura edição brasileira e lá consegui comprar uma cópia em bom estado no Rio de Janeiro, obrigado Victor Sias por me conseguires trazer o disco (os portes eram mais do dobro do valor do LP).
Como sempre há composições para todo o tipo de gosto. Yumiko Morioka com La Sylphide 空気の精, belíssimo tema ambiental do seu único album, Resonance editado em 1987 pela Green & Water no Japão e remasterizado em 2020 pelos alemães da Métron Records. Ou A Touch Of Japanese Tone de Takeo Yamashita, compositor que trabalhou quase exclusivamente para cinema e televisão. Aqui a escolha recaiu neste tema do anime Lupin. Também conhecido (e oscarizado em Hollywood) pelo seu trabalho com realizadores como Hayao Mizayaki do famoso Studio Ghibli ou o Clint Eastwood japonga Takeshi Kitano é o prolífico Joe Hisaishi. A escolha do seu One Summer’s Day (Ano Natus E) da banda sonora de A Viagem de Chihiro era tão óbvia que nem precisava de wasabi para temperar a mistura.
Fuyumi Iwasawa e Satsuya Iwasawa formaram o duo Bread & Butter em 1969 e graças às compilações Wamono A To Z da editora 180g podemos agora ouvir Devil Woman mais facilmente. Das mesmas colectâneas retirei ainda Tosetsu Donpan Bushi das Pinky Chicks. Num contexto mais denshi (a electrónica está por todo o lado nesta cibercultura) preferi dar voz a Kosharu Kisaragi, dramaturga, ensaísta e realizadora que morreu o ano passado e que gravado só deixou um album e um single após uma performance ao vivo com Sakamoto dois anos antes. Escolhi a versão do 12” de Neo-Plant. Logo seguida de Yoshinori Hayashi de quem preferi Geckos, do album Ambivalence lançado em 2018 pela Smalltown Supersound, uma editora norueguesa dedicada a todos os tipos de novo jazz, rock e electrónica mas que no ano passado teve direito a remixes pelas mão dos escandinavos Prins Thomas e Bjørn Torske.
First and last: começo com So Nice, tema homónimo de uma banda pop amadora, formada em 1976 por estudantes da Folk Music Club da Nihon University College of Arts que tocavam exclusivamente covers de canções de Tatsuro Yamashita (também ele aqui incluído). Após a graduação universitária lançaram um único álbum, Love, composto totalmente por composições originais, numa edição extremamente limitada de 200 cópias. E acabo com Sayonara, The Japanese Farewell Song, do “patinho feio” dos YMO, Haruomi Hosono, neto de um sobrevivente do naufrágio do Titanic e possivelmente o mais genial do trio e de quem mais discos tenho. Hosono começou pelo rock psicandélico com a banda Apryl Fool mas foi com os Yellow Magic Orchestra que responsávelmente “moldou” a seu jeito a pop electrónica mundial.
Um destes dias voltarei a estas terras onde as cores são mais lindas na Primavera e no Outono. É uma promessa feita ao meu filho Zeca a quem dedico a playlist desta semana.
“now Ziggy really sang, screwed up eyes and screwed down hairdo
Like some cat from Japan, aww he could lick ’em by smiling
He could leave ’em to hang
‘came on so loaded man, well hung and snow white tan”.
David Bowie – Ziggy Stardust
#staysafe #musicfortheweekend
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Somewhere in 1977 a desire got into my head that I wanted to have a sound system “a really good one”. I worked for two summers to buy an Akai rack with upgraded loudspeakers. I loved this hi-fi system that started my relationship with everything that was made in Japan.
At the beginning of the 80s, I started listening to music made in those parts of the world. The fault, of course, was the Yellow Magic Orchestra, a crunchy wonderous trio composed of Sakamoto, Hosono and Takahashi, who for Japanese pop were like a tonkatsu if the schnitzel somehow represented Kraftwerk…
And so I started to pay attention to other things and “all the stupid quality” that Japanese record pressings had. Little or nothing appeared in Portugal, but around Europe you could find a few things. I remember the “crackle of desire” when in Paris I caught the wonderful 音 楽 図 鑑, Ongaku Zukan, which Sakamoto would later re-publish on the international market under the name of Illustrated Musical Encyclopedia.
I lived the rest of my life in a binary of worship and renouncement in relation to the culture of the land of the Rising Sun. If, on one hand, I connected nothing with manga and anime, on the other, it was in music that my shijin-rui side bloomed. Mainly with the discovery of シ テ ィ · ポ ッ プ, shitī poppu, or city-pop, musical genre started in the late 70s and which, over the following decade, identified so many new technological trends, such as the Sony Walkman, cars with a cassette player and some of the instruments produced by Roland and Yamaha. Definitely city music and aimed at urban wakai, sounds that were slightly discarded from Japanese tradition by embracing other American influences, from soft-rock to boogie and funk in fusion with the “tropicalities” of Okinawa, Caribbean and Brazil.
Many years went by before I finally made a physical foray into Japan. Tokyo, Osaka and Kyoto, an indispensable triangle for a first trip (in fact it is almost a straight line on a bullet train). Kyoto, a city full of ancestral traditions, Osaka a gastronomic paradise and Tokyo, a world really apart that doesn’t even “get lost in translation”. I had already met Japanese people when I lived in London, however it was seeing them “playing at home” that I better understood the team.
Linked to tradition but always looking ahead, where the anti-seismic urban sprawl would let the imagination see possible futures. Youthful and cheerful, as if hyper gifted with kōkishin, a curiosity equal to that of children and yet obsessed with perfectionism. In Osaka I went to a restaurant where the chef only made gyoza. Two flavors. It shouldn’t have to be said that they were the best I’ve ever eaten. And just yesterday I read about Keiko Kuroshima, a shoyu sommelier, the first woman in the world in this position. Which leads us to realize that we can well decide on a specialization in something that interests us, that is necessary and that was not part of the list of graduation desires that our parents had for us.
It was, after all, that “sense of mission” that made something in my heart ring, an eternal mode of fanhood in which the Japanese live and that brought me closer to them on a relational level.
The way clubbers flattered artists when in Tokyo I went to Unit to see Shigeto reminded me why there were for so long so many records made “live at The Budokan”. By the time I went to Japan, the physical business of selling music was already dying, however the Tower of Shibuya had all its floors full of life, plenty of people discovering and buying new musical tendencies. It was there that I discovered, among many other things, the Lucky Tapes and won a ticket to see them live two weeks later, a gift that I offered to on’nanoko that was at the pay desk. From that album, The Show, I removed the track Friday Night. Dream pop on a dreamy record.
What The Magic Is To Try, published in 1980 by Honma Express on their only album You See I … did I struggle to get it, since it never got re-published, not even in Japan. What helped me was the discovery of that this album had a Brazilian edition at the time and therefore I managed to buy a copy in good condition in Rio de Janeiro. Thanks Victor Sias for getting me the album (the postage was more than double the value of the LP).
As always there are compositions for every type of taste. Yumiko Morioka with La Sylphide 空気の精, beautiful ambient theme from her only album, Resonance, published in 1987 by Green & Water in Japan and remastered in 2020 by the Germans of Métron Records. Or A Touch Of Japanese Tone by Takeo Yamashita, a composer who worked almost exclusively for film and television. Here the choice fell on this theme of the Lupin anime. Also known (and oscarized in Hollywood) for his work with directors like Hayao Mizayaki from the famous Studio Ghibli or Takeshi Kitano (the Clint Eastwood of Japan) is the prolific Joe Hisaishi. The choice of his One Summer’s Day (Natus E Year) from Spirited Away’s soundtrack is so obvious that I didn’t even need any sort of wasabi to season the mixture.
Fuyumi Iwasawa and Satsuya Iwasawa formed the Bread & Butter duo in 1969 and thanks to 180g label’s Wamono A To Z compilations we can now hear Devil Woman more easily. From the same collections I also chose Tosetsu Donpan Bushi from Pinky Chicks. In a more denshi context (electronics are everywhere in this cyberculture) I preferred to give voice to Kosharu Kisaragi, playwright, essayist and director who died last year and who recorded only one album and a single after a live performance with Sakamoto two years before. I chose the 12 ”version of Neo-Plant. Soon followed by Yoshinori Hayashi of whom I preferred Geckos, from the album Ambivalence released in 2018 by Smalltown Supersound, a Norwegian publisher dedicated to all kinds of new jazz, rock and electronics but which last year was entitled the remixing job by Scandinavians Prins Thomas and Bjørn Torske.
First and last: I start with So Nice, the eponymous theme of an amateur pop band, formed in 1976 by students from the Folk Music Club of the Nihon University College of Arts who played exclusively covers of songs by Tatsuro Yamashita (also included here). After graduation, they released a single album, Love, composed entirely of original compositions, in an extremely limited edition of 200 copies. And I end up with Sayonara, The Japanese Farewell Song, from YMO’s “ugly duckling”, Haruomi Hosono, grandson of a Titanic survivor and possibly the most brilliant of the trio and possibly the musician whose most records I have. Hosono started with psychedelic rock band Apryl Fool but it was with the Yellow Magic Orchestra that he responsibly “shaped” the world of electronic pop in his own way.
One of these days I will return to these lands where the colors are most beautiful in spring and autumn. It’s a promise made to my son Zeca to whom I dedicate this week’s playlist.
“now Ziggy really sang, screwed up eyes and screwed down hairdo
Like some cat from Japan, aww he could lick ’em by smiling
He could leave ’em to hang
‘came on so loaded man, well hung and snow white tan”.
David Bowie – Ziggy Stardust
#staysafe #musicfortheweekend
So Nice – So Nice
Haruko Kuwana – あこがれの (Sundown)
The Sadistics – Tokyo Taste
Ichiko Hashimoto – L’ete
Fumio Nunoya – Mizu Tamari
Anne Mari with Kazuya Nishikawa – Wild Party
U.F.O. – Loud Minority (Club Mix)
Rhymeberry – SUPERMCZTOKYO
Yellow Magic Orchestra – Tighten Up
Dido – Mermaid
Shun Sakai & The Long Goodbye – Sukanpo No Sakukoro, Bengawan Solo, Kanpyo
Piper – Ride On Seaside
Nana Yamato – Burning Desire
Honma Express – What The Magic Is To Try
Hiroshi Sato – 茜雲の街 (Akanegumo-No Machi)
Kimiko Kasai with Herbie Hancock – Sunlight
Shigeru Suzuki – Lady Pink Panther (unedited long version)
Pinky Chicks – Tosetsu Donpan Bushi
Tatsuro Yamashita – いつか (Someday)
Hitomi “Penny” Tohyama – Love Is The Competition
Cockroach Eater – Kyogen Qabbalah
Joe Hisaishi – One Summer’s Day (Ano Natus E from Spirited Away OST)
Bread & Butter – Devil Woman
Tomoko Aran – I’m in Love
Lucky Tapes – Friday Night
Kumi Taguchi – エマニエル夫人
Saito Nobu – 黄色いさくらんぼ
Takeo Yamashita – A Touch Of Japanese Tone
Koharu Kisaragi – NEO-PLANT (12″Mix)
Yoshinori Hayashi – Geckos
Miyagi Michio, Yoshida Kyoto and Miyagi Sayoko – Sakura Variations, Pt. 2
Makoto Matsushita – Carnaval
Kinokuniya Band – Kiraku Ni Ikuwa (I go carelessly)
Yosui Inoue – Pi Po Pa
Kikagaku Moyo – Nana
Casiopea – I Love New York
Yukihiro Takahashi – C’Est Si Bon
Kenichiro Nishihara – Blind Remix feat. Junggigo
Yumiko Morioka – La Sylphide 空気の精
Haruomi Hosono – Sayonara, The Japanese Farewell Song