#044
Wrap it up Grand Master
Rap: forma de interpretação vocal que incorpora rima, discurso rítmico e vernáculo de rua (street slang) e que é executado ou “cantado” de várias maneiras, geralmente com uma batida de fundo ou acompanhamento musical. Há uns anos atrás havia chegado a vez de mais um aniversário do meu querido Plano B no Porto e lá fui eu pôr música na festa, na minha sala Palco que adoro e onde conheci os Phenomenal Handclap Band que durante muitos anos foram banda de estúdio de muito MC nova-iorquino.
Lembramo-nos sempre na “Grande Maçã” quando pensamos neste principal pilar da cultura hip-hop mas a história do rap é muito mais intrincada. Os precursores do rap moderno incluem a tradição do griot da África Ocidental, certos estilos vocais de blues, o jazz, a poesia beat e depois a afro-americana dos anos 60 e ainda o Sprechgesang.
A palavra rap antecede a sua forma musical e originalmente significava “to lightly strike” e é actualmente usada para descrever um discurso ou resposta rápida. Era no entanto já usada no inglês britânico desde o século XVI, com o Shorter Oxford English Dictionary a dar uma data tão precisa como 1541 para definir “to utter sharply, vigorously or suddenly”. Mais tarde o Dictionary of American Slang atribuiu à data de 1932 a definição de “to converse in an open and frank manner”. Começou a fazer parte do dialecto afro-americano na década de 60, significando “conversar”. Quando no fim dessa década Hubert G. Brown mudou o nome para H. Rap Brown, rap era gíria que se referia a uma oração ou discurso, como era comum nos meios “hip” dos movimentos de protesto, mas só passou a ser associado a um estilo musical uma década mais tarde.
Calcula-se a origem de tudo isto no Griot, repositório da tradição oral nas culturas africanas dos Mandingas, Fulas, Hausas, Serer, Mossi e outros pequenos grupos do ocidente africano. A proveniência da palavra pode muito bem ser de guiriot, uma aliteração francesa da palavra portuguesa “criado”. Séculos antes de conhecermos o rap, já estes “bardos” contavam histórias (e davam conselhos aos chefes das tribos) numa cadência ritmada sobre “uma cama” percutiva de tambores e um ou outro frugal instrumento.
Já os blues, imensamente alicerçados nas canções de trabalho e nos espirituais do tempo da escravatura só podiam continuar a tradição. O músico Elijah Wald um dia disse que o hip-hop era “the living blues”. Para corroborar a teoria escolhi esta semana incluir Gotta Let You Go, gravado em 1950 pelo one-man band Joe Hill Louis. Lógicamente a árvore genealógica ao ver crescer “o ramo” do jazz tinha de continuar o que havia sido adubado até à data. É aqui que vemos pendurados os acido-trovadores da geração Beat, dois que aqui incluí: Al ‘Jazzbo’ Collins com Three Little Pigs (A Grimm Fairy Tale For Hip Kids) e ainda um cool William Burroughs com Last Words of Hassan Sabbah (Nothing Here Now but the Recordings), feito em modo Dub por Dub Spencer & Trance Hill em 2014.
E assim chegamos aos anos 70. Incluo o Ike’s Rap III, de Isaac Hayes no seu Black Moses de 1971 (atente-se como o background musical é usado mais tarde pelos Portishead, reis do trip-hop dos 90s em Bristol). Lembro-me logo também de Barry White, que ficou famoso pela sua husky voice, meio-falada-meio-cantada e que deixava todas as senhoras totalmente-loucas.
Repentinamente mais à frente alinho de seguida Joe Bataan e Larry Gold e não é coisa sem propósito. Bataan gravou Rap-O Clap-O para a Salsoul, editora mítica do tempo da disco onde Gold era peça chave nos primórdios da “house band”, a Salsoul Orquestra. Gold era violoncelista e produtor, com um talento inato como arranjador.
Repare-se como a faixa Travellin que aqui deixo do seu repertório é um lindo exemplo de Sprechgesang mas isso é assunto para o próximo paragrafo… tudo porque já estamos a caminho de Grandmaster Flash a dar a volta às agulhas para que Melle Mel, Cowboy, Scorpio, Rahiem e Kid Creole, contassem os seus dittos, os Cinco Furiosos que foram a minha introdução ao genre na época. Não escolhi nada desse posse mas não foi por falta de vontade. Pelo menos aparecem no titulo desta m4we, o que já não é mau.
“I said-a hip, hop, the hippie, the hippie to the hip hip hop-a you don’t stop the rock it to the bang-bang boogie, say up jump the boogie to the rhythm of the boogie, the beat.”
Da mesma época, aos galácticos Sugarhill Gang peço também desculpa pela omissão do seu maravilhoso Rapper’s Delight mas por razões históricas tive que meter aqui ao barulho o Rappers Deutsch dos G.L.S. United, gravado no mesmo ano que o original transatlântico. Composto por três DJs de rádio, Thomas Gottschalk, Frank Laufenberg & Manfred Sexauer não deixa de ser um misto de paródia e homenagem mas é o primeiro rap da história da música alemã que depois iria produzir muita coisa imensamente interessante. Vindo da Alemanha ainda escolhi Fahrstuhlmusik da dupla Eloquent & Hulkhodn e Gegensätze por Nepumuk & Retrogott, ambos editados já neste ano de 2021.
No inicio havia comentado na linhagem do rap a existência do parentesco com Sprechgesang (canto falado ou fala cantada deixo ao vosso critério mas a minha antiga professora de fonometria Elsa Levy de certeza que tinha uma ideia mais bem formada sobre tudo isto). Alinhado com as técnicas musicais “recitativas” (parlando), o termo é usado pela primeira vez em 1897 para descrever a técnica vocal escrita por Humperdinck na primeira versão de sua ópera Königskinder mas é aplicada também no contexto de certas óperas românticas alemãs compostas por Richard Wagner ainda no século XIX.
Como não poderia deixar de ser (e para poder demonstrar tudo isto de uma forma mais abrangente) deixei muito boa coisa de fora, mas acho que faço justiça ao estilo.
Em 1993 quando Guru lançou Jazzmatazz, “an experimental fusion of hip-hop and jazz”, mal ele sabia o quanto presciente era o album ao mesmo tempo que mostrava ao vivo e a cores a linhagem onde tudo isto encaixava. Daí retirei Le Bien, Le Mal, colaboração com Claude M’Barali, rapper francês conhecido como MC Solaar.
Mas para isso tive de deixar de fora tanto herói desta Marvel a cores: Kurtis Blow, Notorious Big, Tupac, para mencionar só alguns dos nomes imprescindíveis.
Estrelas mais recentes são poucas, estão sempre na rádio, não é preciso bater em rima gasta. Aos Pop Smoke, Post Malone e Travis Scott(s) deste mundo digo que não, mas não mesmo, não dá manos, não chega, vejam e ouçam exemplos vindos de partes distintas do universo do rap, os chilenos Elefante Mecanico com No Te Enamores com quem começo a m4we ou o setubalense Slow J com Sara Tavares em Também Sonhar que utilizo para findar, voltem a tentar, façam melhor, esmerem-se.
Deste nosso Portugal onde no Algarve até já existia uma forma de rap, do qual dou o exemplo com a Brigada Victor Jara com Baile Mandado, do primeiro album Eito Fora, gravado em 1977. O baile mandado como dança apareceu por influência dos franceses que por três vezes, entre 1807 e 1810, invadiram o país.
Os pares fazem uma roda, executando movimentos e seguindo quem comanda, o qual vai contando uma história que rima ou uma quadra satírica com pouca malícia.
A dança pode prolongar-se por tempo indeterminado, visto tudo depender da resistência da pessoa que dança e da inspiração de quem “manda”. Quando o “mc” que “canta” a histórica fica cansado ou sem imaginação chama-se outro comandante, que é quase sempre do sexo oposto.
Agradecido pelo trabalho de recolha etnográfica deixo aqui também o link http://amusicaportuguesaagostardelapropria.org/videos/baile-mandado/ com um grande obrigado ao Tiago Pereira pelo maravilhoso trabalho em A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria.
Acabei por escolher mais duas ligações ao rap nacional: Macacos do Chinêscom o inesquecível Rolling na Reboleira e uma outra, mais a Norte e mais recente, Brinca Na Barriga do meu amigo SirAiva e onde o Carlão se mostra mesmo um ás que até num tema nu-disco dá cartas… O rap é forte por Portugal fora e a force está com ele. E assim irá continuar.
“La rime suit l’idée et parfois la précède.”
Tristan Bernard
#staysafe #musicfortheweekend
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Rap: a form of vocal interpretation that incorporates rhyme, rhythmic speech and vernacular street slang, performed or “sung” in various ways, usually with a background beat or musical accompaniment. A few years ago it was time for another birthday of my beloved Plano B in Porto and there I went to put on some records at the party where I met the Phenomenal Handclap Band, that for many years were the favourite studio band of a lot of NYC MCs.
We always think of the “Big Apple” when we speak of this main pillar of hip-hop culture but the history of rap is much more intricate. The precursors of modern rap include the West African griot tradition, certain vocal styles of blues, jazz, beat and African-American poetry of the 1960s and Sprechgesang.
The word rap predates its musical form and originally meant “to lightly strike” and is currently used to describe a speech or quick response. It was however used in British English since the 16th century, with the Shorter Oxford English Dictionary giving a date as accurate as 1541 to define “to utter sharply, vigorously or suddenly.” Later on, the Dictionary of American Slang gave the definition of “to converse in an open and frank manner” as of 1932. It began to form part of the Afro American culture in the 60s, as a meaning to “talk”. When, at the end of that decade, Hubert G. Brown changed his name to H. Rap Brown, rap was slang that referred to a prayer or speech, as was common with the “hip” crowd of protest movements, but it only came to be associated with a musical style a decade later.
The origin of all this is calculated in the Griot, repository of the oral tradition in the African cultures of Mandingas, Fulas, Hausas, Serer, Mossi and other small groups in West Africa. The provenance of the word may well be that of guiriot, a French alliteration of the Portuguese word criado (servant). Centuries before we knew rap, these “bards” already told stories (and gave advice to the tribe honchos) in a rhythmic cadence on top of a “percussive bed” of drums aided by a few frugal instruments.
The blues, on the other hand, immensely based on work songs and the spirituals of the time of slavery, could only continue the tradition. Musician Elijah Wald once said that hip-hop was “the living blues”. To support the theory I chose this week to include Gotta Let You Go, recorded in 1950 by one-man band Joe Hill Louis. Logically, the family tree, seeing “the branch” of jazz grow, had to continue what had been fertilized to date. It is hanging here that we see the Beat generation acid-troubadours, two that I included here: Al ‘Jazzbo’ Collins with Three Little Pigs (A Grimm Fairy Tale For Hip Kids) and a cool William Burroughs with Last Words of Hassan Sabbah (Nothing Here Now but the Recordings), done in Dub mode by Dub Spencer & Trance Hill in 2014.
And so we got to the 70s. I include Isaac Hayes’s Ike’s Rap III from his 1971 Black Moses album (note how the musical background is used later on by Portishead, kings of the 90s trip-hop in Bristol). Who comes to my mind as well is Barry White, who became famous for his husky voice, half-spoken-half-sung and that drove all the ladies totally-crazy.
Suddenly, a little bit ahead I join in succession Joe Bataan and Larry Gold, not without a purpose. Bataan recorded Rap-O Clap-O for Salsoul, a mythical publisher from the the disco era where Gold was a key player in the early days of their “house band”, the Salsoul Orchestra. Gold was a cellist and producer, with an innate talent as an arranger.
Notice how the track Travellin that I picked from his repertoire is a beautiful example of Sprechgesang but that’s a subject for the next paragraph… all because we are already on our way to Grandmaster Flash turnin’ the needles so that Melle Mel, Cowboy, Scorpio, Rahiem and Kid Creole could tell their dittos, the Furious Five that were my introduction to the genre at the time. I ended up not choosing anything by this posse but it wasn’t for lack of will. At least they appear in the title of this m4we, which is not such a bad thing.
“I said-a hip, hop, the hippie, the hippie to the hip hip hop-a you don’t stop the rock it to the bang-bang boogie, say up jump the boogie to the rhythm of the boogie, the beat.”
From around that same epoch, to the galactic Sugarhill Gang I also apologize for the omission of their wonderful Rapper’s Delight but for historical reasons I had to pitch in the Rappers Deutsch by G.L.S. United, recorded in the same year as the transatlantic original. Made by three radio DJs, Thomas Gottschalk, Frank Laufenberg & Manfred Sexauer, it’s a mix of parody and tribute but it is as well the first recorded rap in the history of German music, that would later produce a lot of immensely interesting things. Coming from Germany, I still chose Fahrstuhlmusik from the duo Eloquent & Hulkhodn and Gegensätze by Nepumuk & Retrogott, both edited in this year 2021.
In the beginning, I had commented on the rap lineage about the existence of kinship with Sprechgesang (spoken singing or sung speech I leave to your discretion but my former phonology teacher Elsa Levy certainly had a better formed idea about all of this). In line with the “recitative” musical techniques (parlando), the term is used for the first time in 1897 to describe the vocal technique written by Humperdinck in the first version of his opera Königskinder but it is also applied in the context of certain German romantic operas composed by Richard Wagner still in the 19th century.
As always I left a lot of very good stuff out (as to be able to demonstrate all this in a more comprehensive way) but I think I do justice to the style.
In 1993 when Guru released Jazzmatazz, “an experimental fusion of hip-hop and jazz”, little did he know how prescient the album was at the same time that it showed live and in color the lineage where it all came from. From that record I took Le Bien, Le Mal, collaboration with Claude M’Barali, French rapper known as MC Solaar.
But for that I had to leave behind so many MARVELous heroes like Kurtis Blow, Notorious Big, Tupac, to mention just a few essential names.
More recent stars are few, they are always on the radio, there is no need to hit a worn rhyme. To the Pop Smoke, Post Malone and Travis Scott(s) of this world I say no, not really, I don’t give a damn bro, see and hear examples from different locations in the rap universe, the Chilean Elefante Mecanico with No Te Enamores with whom I start m4we or setubalense Slow J with Sara Tavares in Também Sonhar that I use get to finish line, please try again, do better, do your best.
From our Portugal where in the Algarve there was already a form of rap, of which I set an example with the Brigade Victor Jara with Baile Mandado, from their first album Eito Fora, recorded in 1977. Baile mandado as a dance appeared under the influence of the French who three times, between 1807 and 1810, invaded the country.
Pairs make a circle, executing movements and following the commands of who goes on telling a story that rhymes or a satirical stance with just a hint of malice.
The dance can go on indefinitely, since everything depends on the resistance of the person who dances and on the inspiration of the one who “commands” it. When the “mc” who “sings” the story becomes tired or without imagination, another commander gets called in, who is almost always of the opposite sex.
Grateful for the work of ethnographic recollection, I also leave here the link http://amusicaportuguesaagostardelapropria.org/videos/baile-mandado/ with a big thank you to Tiago Pereira for his wonderful work in A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria.
I ended up choosing two more liaisons dangereuses to portuguese rap: Macacos do Chinês with the unforgettable Rolling in Reboleira and another, more to the North and more recent, Brinca Na Barriga by my friend SirAiva and where Carlão shows how an ace he is that even in a nu-disco theme he can shuffle the cards … Rap is strong all over Portugal and the force is with it. And so it will continue.
“La rime suit l’idée et parfois la précède.”
Tristan Bernard
#staysafe #musicfortheweekend
Elefante Mecanico – No Te Enamores
Sum Kid – MJQ Saturday
Tassia Reis – Meu Rapjazz
Isaac Hayes – Ike’s Rap III
Guru and MC Solaar – Le Bien, Le Mal
Dizzy K. Falola – Saturday Night Raps
Jack Hammer – Like
G.L.S. United – Rappers Deutsch
Macacos do Chinês – Rolling na Reboleira
Joe Bataan – Rap-O Clap-O Remix
Larry Gold – Travellin
Eloquent & Hulkhodn – Fahrstuhlmusik
Cardi B – WAP feat. Megan Thee Stallion
Master Ace – Postin’ High
3rd Bass – Sons Of 3rd Bass
William S. Burroughs, Dub Spencer & Trance Hill – Last Words of Hassan Sabbah (Nothing Here Now but the Recordings)
Nick Holder – No More Dating DJs
Ruthless Rap Assassins – And It Wasn’t a Dream
Joe Hill Louis – Gotta Let You Go
Brigada Victor Jara – Baile Mandado
Paulette & Tanya Winley – Rhymin’ & Rappin’
De La Soul – Sh. Fe. Mc’s feat. A Tribe Called Quest
Kenichiro Nishihara – Pass The Tea feat. SLik d & VerBS
Kero One – Give Thanks Feat. Niamaj (Sound Providers Remix)
The NPG – Johnny
Little Benny & The Masters – Who Comes To Boogie
Al ‘Jazzbo’ Collins – Three Little Pigs (A Grimm Fairy Tale For Hip Kids)
Royce Da 5’9 – Boom (Funky DL Remix)
Nepumuk & Retrogott – Gegensätze
As Damas Do Rap – Um Sonho Real
SmokedBeat – Oscar and Friends feat. Mr. Moods
Count Coolout – Rhythm Rap Rock
Andromaïck – Elève Ton Esprit
Mike Woods – Rapping Wordyhood
Teddy G – Zis Not a Rap Song
Vanessa Daou – Smoke
SirAiva – Brinca Na Barriga feat. Pacman
Plains Of Fascination – In The Heart
Tommy Tee- Day By Day
Slow J – Também Sonhar feat. Sara Tavares