#047

¡Ay, mi madre!

Há uma data de anos atrás recebi um telefonema do meu manager, o Paulo Ventura, a  perguntar se eu podia na noite desse mesmo dia substituir o Legendary Tiger Man e fazer dupla com o “comandante” Ramos numa acção promovida por uma das grandes cervejeiras. A missão era ir meter música, back-to-back, numa discoteca em Viana do Castelo. Disse que sim.

E lá fomos nós. Quando chegámos ao destino, eram 22:30 e a pista supostamente abriria em breve. montámos o nosso “estaminé”, CDs, vinil, laptop com Traktor, etc. Os Djs residentes vieram ter conosco, assim como que com receio dos “penetras”: – Que música vão passar? Nós aqui só pomos reggaeton.

Eu nem sabia sobre o que eles estavam a falar. Escusado será dizer que estivemos cerca de uma hora e meia no controlo da cabine e depois deixámos a coisa nas mão deles. E voltámos para Lisboa.

Num país que é visto como latino mas que de música latina só parece conhecer Shakiras e outras coisas do género muita coisa tem passado ao lado. A cumbia, o guaguanco ou o yambu são ritmos que convidam à dança mas não por cá. O merengue não são claras batidas em castelo e cozinhadas para suspiro de quem quer a boca adocicada. A salsa não é uma aromática nem o mambo é mesmo aquilo que os descendentes angolanos pensam que é…

Restringido como sempre e sorvendo tudo aquilo que ia aparecendo à minha frente fui crescendo numa Lisboa onde pelo menos em casa tive direito a ouvir Xavier Cugat e o Tito Puente para não ter que levar com as versões xaroposas do Paul Mauriat, verdadeira máquina de trucidar beguines e cha-cha-chas. E, admito, que no fim dos meus teens ainda pouco sabia deste crepitar latino, destes sons provindos de longínquos arredores do não-sei-bem-onde. Mas depois tudo mudou.

No principio dos 80s e através de bandas inglesas obcecadas com os tórridos ritmos da latinidade fui começando a meter um pé na porta (o outro estava na pista de dança) do reconhecimento de estilos variados que me incitavam a querer conhecer mais. Nessa altura estava obcecado pelos zoot suits, moda de pachuco para se meter com as cholas e ouvi pela primeira vez Klacto Vee Sedstein que introduzi nesta selecção. Chris Sullivan e Christos Tolera eram a frente avançada dos brits Blue Rondo à la Turk, outros vieram e o sonero começou a entender a charanga.

Algures nos principio dos 90s, os LX-90 foram tocar a Madrid, aproveitávamos o showcase para a BMG UK e colegas americanos nos verem ao vivo. Umas horas antes do concerto passamos pelo jantar anual dos managing directors da divisão musical do grupo Bertelsmann para dar um abraço ao boss Tó-Zé Brito. Quando lá cheguei as variedades da jantarada estavam a cargo da Mariquita Gallegos, actriz e cantora argentina de quem eu nunca tinha ouvido falar mas que supostamente vendia mais discos que o Michael Jackson…

Esta semana decidi começar logo em nota alta com as cinco oitavas da voz de Zoila Augusta Emperatriz Chavarri del Castillo, conhecida como Yma Sumac e que no album Mambo! de 1954 gravou este Bo Mambo, composto por Moises Vivanco e arranjado por Billy May, que no disco conduz a sua Rico Mambo Orchestra como tentativa de conseguir fazer boa figura no acompanhamento aos trinados de ave do paraíso de Yma.

A voz da diva peruana era tão portentosa que levantava o semblante de muito boa gente, de directores da Metropolitan novaiorquina até críticos que não percebiam o porquê da sua recusa em não cantar só ópera. Hollace E. Arment, chefe do departamento de música da Universidade de Auburn congeminou um dia uma teoria de que as cordas vocais da cantora eram um legado do passado, um elo de ligação com uma era remota em que a composição musical era diferente e para vozes muito mais abrangentes referindo as semelhanças da música produzida por Sumac com a música primitiva menonita, babilônica e balinesa.

Música latina há muita seu palerma. Talvez pelo tamanho do mercado em si mas definitivamente não é coisa de nicho. De Kinshasa a NYC, essa latinidade é coisa que tem passaporte bem estampado con boleto round-trip por todo el mundo. Senão vejamos algumas das escolhas desta m4we: o alemão Björn Wagner que fez parte do grupo The Mocambos e que durante uns tempos viveu em Trindade e Tobago onde se apaixonou pelos steel drums que são assinatura do seu projecto Bacao Rhythm & Steel Band, do qual escolhi Maracas Bay Boogie para exemplificar como se enverga a latinidade em Hamburgo. Ainda vindo da Alemanha um clássico já antiguinho e que muitos poderiam há uns anos ter discordado de estar numa listagem de música latina mas a história da pop rescreveu a sua justiça para com El Que dos DAF.

Pintor nacido en mi tierra

Con el pincel extranjero

Pintor que sigues el rumbo

De tantos pintores viejos

Aunque la virgen sea blanca

Píntame angelitos negros

Que también se van al cielo

Todos los negritos buenos

Pintor, si pintas con amor

Por qué desprecias tu color

Si sabes que en cielo

También los quiere dios

Pintor de santos de alcoba

Si tienes alma en el cuerpo

Por qué al pintar en tus cuadros

Te olvidaste de los negros

Siempre que pintas iglesias

Pintas angelitos bellos

Pero nunca te acordaste

De pintar un angel negro

Siempre que pintas iglesias

Pintas angelitos bellos

Pero nunca te acordaste

De pintar un ángel negro

Se nesta viagem pela música latina passamos por certos locais incontornáveis, Cuba por exemplo da sua influência maior no sonido de la latinidad, mas teria sido sem consideração não aqui ter pelo menos um artista vindo de Espanha, terra mãe desta língua que se ouve nesta escolha. María de los Dolores Flores Ruiz, conhecida como Lola Flores numa canção definitivamente ranchera, Angelitos Negros, a modos de contextualização. Quase toda esta música é, sem nenhuma sombra de dúvida una mescla de tradições castelhanas, africanas via escravatura e indígenas de variadas proveniências da América do sul. De propósito e por razões óbvias deixei de lado os sons e ritmos do Brasil que até encontram linhas tangentes mas preferi ficar-me pelas paisagens relacionadas mais tradicionalmente com o que aqui escolhi.

O Havana Café no Malecón pode parecer um tourist trap mas deu para um belo dia ir ver Los Van Van enquanto ainda havia algum membro original no activo, neste caso o baterista Samuel, filho do baixista fundador Juan Formell. Deste agrupamento timba escolhi Llegue Llegue, uma demonstração de virtuosismo como só mesmo em Cuba. Começando num tempo de 59 bpms a canção passa por diferentes velocidades, chaves e estilos. Nessa noite a “descarga” não foi do céu que veio…

Escolhi mais umas quantas preciosidades cubanas da qual quero destacar Luna Wanestain de Emiliano Salvador mas também outras belezuras sonoras peruanas, venezuelanas ou colombianas. Deste ultimo país peço a atenção para tentarem descobrir mais sobre Rafael Machuca, um bem sucedido advogado que em 1975 ficou tão impressionado na Plaza de los Musicos em Barranquilla que no dia seguinte despedia-se do seu day job e fundava a Discos Machuca que recentemente viu a Analog Africa a dedicar-lhe a compilação La Locura de Machuca 1975​-​1980 de onde retirei Otro Perro Con Ese Hueso no cancioneiro do El Grupo D’Abelard. 

O projecto Contento de quem escolhi De Todas Maneras é actual e é protagonizado por dois ex-pats colombianos, um é Paulo Olarte, que vive em Geneva de onde opera sob o seu próprio nome e como membro de outfits como Acid Coco, El Dragón Criollo e La Jungla, o outro é Sebastian Hoyos, aka Sano, um DJ produtor que reside em Barcelona mas que edita a sua minimal house latina pela Cómeme de Berlin.

Mas decido acabar com Jeanne Golan a tocar uma obra de Toby Twining, An American in Buenos Aires, num magnífico arranjo que mistura um Steinway e um piano de criança. Golan editou o disco It Takes One to Tango no primeiro dia deste nosso ano numa verdadeira e original celebração de como “o popular” tem vindo a impactar a concert musik… Subintitulado Works of Contemporary and Recovered Voices Composers é uma inteligente dissertação sobre a ideia que o regime nazi tinha do Tango como música de entretenimento, indo repescar composições escritas por judeus que foram parar a campos de concentração à mistura com outros compositores americanos que foram encontrando no Tango uma fonte de inspiração.

“¡Todo te influye! Los acentos rítmicos que utilizo se parecen incluso a los de la música popular judía que escuchaba en las bodas”

Astor Piazzolla

#staysafe #musicfortheweekend

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A number of years ago I got a call from my manager, Paulo Ventura, asking if I could replace the Legendary Tiger Man that night and team up with “commander” Ramos in some sort of promotion by one of the great brewing companies. The mission was to DJ, back-to-back, in a nightclub in Viana do Castelo. I said yes.

And there we went. We arrived at the destination around 10:30 pm and the dance floor  was supposed to open soon. So we set up our “equipment”, CDs, vinyl, laptop with Traktor, etc. The house DJs came to us, as if fearful of the “intruders”: – What kind of music will you play? Here we only put on reggaeton.

I didn’t even know what they were talking about. It goes without saying that we were in control of the cabin for about an hour and a half and then we left the whole thing in their hands. And we went back to Lisbon.

In a country that is seen as Latin but that of Latin music only seems to know Shakiras and other things like that, a lot has passed by. Cumbia, guaguanco or yambu are rhythms inviting to dance but not around here. Merengue is not produced by whisking egg whites before cooking them in an oven. Salsa is not a sauce nor is mambo really what Angolan descendants think it is…

Restricted as usual and vacuuming everything that appeared in front of my ears, I grew up in Lisbon where at least at home I had the right to listen to Xavier Cugat and Tito Puente so I wouldn’t have to take full blast the syrupy versions by Paul Mauriat’s Orchestra, a killing machine responsible for slaughtering tons of beguines and cha-cha-chas. And, I admit, that at the end of my teens I still knew little about all this Latin snap, fizz and rattle, about all these sounds hailing from the distant surroundings of the do-not-know-well-where. But then everything changed.

In the beginning of the 80s and through English bands obsessed with the torrid rhythms of Latinity, I started to put a foot in the door (the other was on the dance floor) as I recognized different styles that encouraged me to want to know more. At that time I was obsessed with zoot suits, a pachuco stylee to mess with cholas, and I heard for the very first time the Klacto Vee Sedstein that I chose for this selection. Chris Sullivan and Christos Tolera were the frontline of the brit combo Blue Rondo à la Turk, others came and the sonero started to understand the charanga.

Somewhere in the early 90s, LX-90 played in Madrid, using the date as a showcase for BMG UK and American colleagues to see us live. A few hours before the concert, we dropped by the annual dinner  that reunited all the managing directors of the Bertelsmann group’s musical division. When I got there, the dinnertime varieties were in charge of Mariquita Gallegos, an Argentine actress and singer whom I had never heard of but who supposedly sold more records than Michael Jackson…

This week I decided to start right away on a high note with the five octaves voice of Zoila Augusta Emperatriz Chavarri del Castillo, known as Yma Sumac and that on the album Mambo! from 1954, recorded this Bo Mambo, composed by Moises Vivanco and arranged by Billy May, who on the record conducts his Rico Mambo Orchestra in an attempt to achieve good marks in accompanying Yma’s bird of paradise chirrups.

The voice of the Peruvian diva was so portentous that it raised the countenance of very good people, from directors of the NYC Metropolitan to critics who did not understand the reason for her refusal not to sing only opera. Hollace E. Arment, head of the music department at Auburn University once came up with a theory that the singer’s vocal cords were a legacy of the past, a link to a remote era in which musical composition was different and for voices much more converging referring to the similarities of the music produced by Sumac with the early Mennonite, Babylonian and Balinese music.

Latin music is everywhere. Maybe because of it’s market size we’re definitely not talking about niche here. From Kinshasa to NYC, this latin sound has a well-printed passport with a round-trip ticket all over the world. Otherwise, let’s contemplate some of the choices made for this week’s m4we: the German Björn Wagner who was part of the group The Mocambos and who for a time lived in Trinidad and Tobago where he fell in love with the steel drums that are the signature of his project Bacao Rhythm & Steel Band, from which I chose Maracas Bay Boogie to exemplify how Latinity is worn in Hamburg. Still coming from Germany, an old classic that many years ago might have disagreed with being on a Latin music list, but the history of pop has rewritten its justice towards El Que by DAF.

Pintor nacido en mi tierra

Con el pincel extranjero

Pintor que sigues el rumbo

De tantos pintores viejos

Aunque la virgen sea blanca

Píntame angelitos negros

Que también se van al cielo

Todos los negritos buenos

Pintor, si pintas con amor

Por qué desprecias tu color

Si sabes que en cielo

También los quiere dios

Pintor de santos de alcoba

Si tienes alma en el cuerpo

Por qué al pintar en tus cuadros

Te olvidaste de los negros

Siempre que pintas iglesias

Pintas angelitos bellos

Pero nunca te acordaste

De pintar un angel negro

Siempre que pintas iglesias

Pintas angelitos bellos

Pero nunca te acordaste

De pintar un ángel negro

If on this journey through Latin music we journey through certain unavoidable places, Cuba for example of its greater influence on the sound of Latinidad, but it would have been inconsiderate not to have at least one artist from Spain, the motherland of the language heard in this choice. María de los Dolores Flores Ruiz, known as Lola Flores in a definitely ranchera song, Angelitos Negros, in ways of contextualization. Almost all of this music is, without a shadow of a doubt, a mixture of Castilian, African slavery and indigenous traditions from various South American origins. On purpose and for obvious reasons I left out the sounds and rhythms of Brazil despite so many tangent lines preferring to remain in the landscapes related more traditionally to what I chose here.

The Havana Café at the Malecón may look like a tourist trap, but one beautiful night I had the opportunity to go see Los Van Van while there was still an original member active, in this case drummer Samuel, son of founding bassist Juan Formell. From this timba group I chose Llegue Llegue, a demonstration of virtuosity as only in Cuba. Starting at 59 bpms the song goes through different speeds, keys and styles. That night the “descarga” came not from the heavens above…

I chose a few more Cuban gems, of which I want to highlight Luna Wanestain by Emiliano Salvador, but also other Peruvian, Venezuelan or Colombian sonidos bonitos. From this last country, I ask you to try to find out more about Rafael Machuca, a successful lawyer who in 1975 was so impressed at the Plaza de los Musicos in Barranquilla that the next day he said goodbye to his day job and founded Discos Machuca that recently saw Analog Africa dedicating to it the compilation La Locura de Machuca 1975 – 1980 from where I took Otro Perro Con Ese Hueso from El Grupo D’Abelard’s songbook.

The Contento project of whom I selected De Todas Maneras is an ongoing thing and is led by two Colombian ex-pats, one is Paulo Olarte, who lives in Geneva from where he operates under his own name and as a member of outfits like Acid Coco, El Dragón Criollo and La Jungla, the other is Sebastian Hoyos, aka Sano, a DJ producer who resides in Barcelona but who puts out his minimal Latin house through Cómeme de Berlin.

But I decide to end with Jeanne Golan playing a work by Toby Twining, An American in Buenos Aires, in a magnificent arrangement that mixes a Steinway and a toy piano. Golan released the album It Takes One to Tango on the first day of this year in a true and original celebration of how “the popular” has been impacting the concert music… Subtitled Works of Contemporary and Recovered Voices Composers it’s a clever dissertation on the idea that the Nazi regime had of the Tango as entertainment music, picking compositions written by Jews who ended up in concentration camps mixed with other American composers who found Tango as a source of inspiration.

“¡Todo te influye! Los acentos rítmicos que utilizo se parecen incluso a los de la música popular judía que escuchaba en las bodas”

Astor Piazzolla

#staysafe #musicfortheweekend

Yma Sumac – Bo Mambo

Blue Rondo à la Turk – Klacto Vee Sedstein

Pedro Beltran – El Negro Lambio

Tempo 70 – El Galleton

Tito Puente – Que sera mi Cha-cha-cha

Mon Laferte y Gloria Trevi – La Mujer

German Fernando – Socorro Auxilio

Sonido Gallo Negro – Danza del Mar

El Grupo D’Abelard – Otro Perro Con Ese Hueso

Futuro Pelo – Nefertiti (David Walters Remix)

Emiliano Salvador – Luna Wanestain

Juan Laya & Jorge Montiel – Sexmachina (Short version)

Adolfo Echeverria Y Su Orquesta – Sabroso Bacalao

Grupo Siglo XX – La Naranjadita

Los Reyes 73 – Un Lamento Hecho Cancion

La Peruanita – Recuerda Corazón

PALO! – Camina Con Los Codos

Setenta – Funky Tumbao

The Ray Camacho Group – Let’s Boogie

Hotmood – Por Que Me Dejaste

Lola Flores – Angelitos Negros

Contento – De Todas Maneras

Los Van Van – Llegue Llegue

Los Autenticos de Gamero – Caracuche Che Che

Bacao Rhythm & Steel Band – Maracas Bay Boogie

Xavier Cugat – Elube Chango

Ocho – Mamey Colorao

Bobby Cruz con Ricardo Ray – El Maton

Chakruna – Sonido Chichero feat Chapillita

Nico Gomez and His Afro Percussion Inc. – Baila Chibiquiban

Perez Prado – Bim, Bam, Bum

Un Dos Tres Y Fuera – Machu Picchu

Los Turistas Del Mantaro – Agua Dulce

The Orchestra Soledad – El Ritmo Soledad

DAF – El Que

Nuspirit Helsinki – Afro-Cuban Sunshine

Aldemaro Romero Y Su Onda Nueva – Irene

Grupo Irakere – Juana 1600

Conjunto Miramar – La Pompita

Jeanne Golan – An American in Buenos Aires

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