#051

Silly Season III – GPS

Pelos caminhos de Portugal

Eu vi tanta coisa linda

Vi um mundo sem igual

Estive em Chaves

Vi o Bom Jesus em Braga,

De Monção fui pelo Minho

Onde a beleza não se acaba

Fiquei contente

Em Viana do Castelo

E de Póvoa de Varzim

Ao Porto que eu tanto quero

Mário Gil – Pelos caminhos de Portugal

Ai (assim bem suspirado, à ciganito)… todas essas andanças que no mês de Agosto ganhavam contornos de “volta a Portugal” e que nos faziam, envergando os nossos maillots jaunes, andar por essas estradas fora num zigue-zague nas cartas Michelin.

Graças a Deus a profissão de músico que havíamos escolhido desbravava-nos novos horizontes, por cá e pelo resto da Europa e, olhando para trás, ninguém sabe muito bem como é que se vivia sem GPS.

Se é Terça-feira então deve ser Canas de Senhorim… era assim que o rolodex corria num “gasolineiro” número de papa-kilómetros, Roadrunner, roadrunner / Going faster miles an hour, porque na Quarta se calhar estávamos em Mora. Ou será que era em Moura?

Goin’ places that I’ve never been

Seein’ things that I may never see again

And I can’t wait to get on the road again

Willie Nelson – On the Road Again

Tenho que admitir que a canção de Nelson é deveras mais positiva que a outra escrita com o mesmo nome pelos Canned Heat mas não sem que se sinta ambas num preito à “viagem” de Sal Paradise e Dean Moriarty datilografada por Jack Kerouak em jeito de stream of consciousness em três meras semanas em 1951 num contínuo rolo de papel. Sem desapego a essas trips de pé-na-estrada realizadas nos 80s em prole da nossa arte admito que a m4we desta semana versa esse “tanto transito” no mês baptizado por decreto em honra do imperador César Augusto. Seja o ir e vir, para baixo ou para cima de famílias  veraneantes, músicos rock pedrados e perdidos,  camionistas sem ar condicionado no TIR ou simplesmente os emigrantes “que vinham à terrinha”.

Trazes saudades contigo, vem devagar

Tem cuidado emigrante nas estradas a guiar

Trazes saudades contigo p’ra festejar

Tanto tempo ausente

Há sempre tempo p’ra chegar

Dino Meira – Tem Cuidado nas Estradas a Guiar

Mas não era só por terra que se andava nessa derivativa de rumo incerto. Dei comigo a escolher músicas como se fossem destinos possíveis de viagens incongruentes que agora não fazemos. Holiday in Cambodia? Sem problema, é claro que teria de aqui incluir o clássico dos Dead Kennedys. Single datado de 1980, com uma imagem na capa que marcou a psique de qualquer proto-punk mas com pequeno caveat: essa infame foto foi tirada a 6 de outubro de 1976 por Neal Ulevich, no exterior da Universidade de  Thammasat em Bangkok e não no Camboja… Então e que tal logo a seguir uns  3′ Por Timor dos Cool Hipnoise mesmo sabendo que a Shakira tem uma canção que gravou em 2005 no album Oral Fixation Vol.2 onde aborda a violenta ocupação de Timor Leste, pela Indonésia e com apoio dos EUA, que causou a morte de mais de 200.000 civis entre 1975-1999. A cantora colombiana acusava assim os media de fechar os olhos às atrocidades, cantando: It’s alright, it’s alright / If the planet splits in three / ‘Cause I’ll keep on selling records / And you’ve got your MTV.

Esta semana anda-se por isso a espetar pins num mapa pendurado numa enorme vontade de viajar: long haul como de Sydney até Pasadena, ou roteiro doméstico de curta duração como o com partida de Granada e chegada a Madrid. Mas a bússola encontra-se tão avariada que tanto valem terreolas como se aceita também a inclusão de países: Paul McCartney com Back in Brazil e Rio Babilônia de Jorge Ben, Abril en Portugal por Chavela Vargas dá com Cha Cha Cha Em Lisboa do disco Delicatessen Cafe Concerto de Misia. London Calling dos Clash aponta para um Piccadilly dos Squeeze enquanto que Hey Manhattan! garante afincadamente a máxima de que This Is Not America

Começo (a meio passo também por lá) e acabo na terra que me deu o Stolichnaya: Prototype (USSR) é magnifico e magnânimo mashup da autoria de Mark Vidler que sob o nome de Go Home Productions assina aqui uma mescla de Beatles e Outkast. A meio caminho, mais precisamente no vigésimo lugar nas escolhas de canções desta semana, embarcamos num Moskow Diskow, clássico dos Telex de Marc Moulin, também ele repetente nestas selecções.

E termino com os Radio Stars, mais ou menos esquecido trio da era pré-punk, mas não sem impor um pouco de indispensável contexto histórico. Em 1974, no desfecho do caso Watergate, o sucessor de Nixon após o impeachment tinha sido Gerald Ford e em 1977, durante o segundo de três confrontos televisivos com Jimmy Carter (que viria a ganhar essas eleições), o presidente em exercício fez a afirmação bizarra e flagrantemente falsa: “There is no Soviet domination of Eastern Europe and there never will be under a Ford administration.” Dois dias depois, no Reino Unido, a mordaz revista Private Eye imediatamente atacou a gaffe, satírizando Ford na capa. Martin Gordon, baixista dos Radio Stars e letrista de serviço era um ávido leitor da revista e assim inspirado levou a banda para estúdio para gravar para a Chiswick Records o EP Stop It! que abria com este No Russians In Russia.

Tenham uma boa e segura viagem.

#staysafe #musicfortheweekend

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Pelos caminhos de Portugal

Eu vi tanta coisa linda

Vi um mundo sem igual

Estive em Chaves

Vi o Bom Jesus em Braga,

De Monção fui pelo Minho

Onde a beleza não se acaba

Fiquei contente

Em Viana do Castelo

E de Póvoa de Varzim

Ao Porto que eu tanto quero

Mário Gil – Pelos caminhos de Portugal

Ay (well sighed, as if in gypsy style)… all those wandering-around that in the month of August gained contours of some kind of “tour de Portugal” and that made us, wearing our jaune maillots, move along all those roads in zigzag patterns scribbled in biro on our Michelin charts. Thank God this profession of musician we had chosen opened loads of new horizons for us, here and throughout Europe, and looking back no one really knows how you lived without a some sort of GPS device.

If it’s Tuesday then it must be Canas de Senhorim… that’s how the Rolodex ran in a “gas-guzzling” high mileage parade, Roadrunner, roadrunner / Going faster miles an hour, because on Wednesday maybe we would be in Mora. Or was it Moura?

Goin’ places that I’ve never been

Seein’ things that I may never see again

And I can’t wait to get on the road again

Willie Nelson – On the Road Again

I have to admit that Ol’ Willie’s song is actually more positive than the one written homonymously by Canned Heat but not without feeling both of them as in honor of Sal Paradise and Dean Moriarty’s “journey” as typed by Jack Kerouak as a stream of consciousness in a mere three weeks in 1951 on a continuous roll of paper. Without detachment from these foot-on-the-road trips carried out in the 80s as a carrier of our arts, I admit that this week’s m4we verses this kind of “so much traffic” occurred in a month baptised by decree in honor of Emperor César Augusto. Whether it’s the comings and goings, up and down, of vacationing families, rock musicians lost in their tracks and lorry drivers without air conditioning in their TIR trucks or simply all the emigrants “coming back home”.

Trazes saudades contigo, vem devagar

Tem cuidado emigrante nas estradas a guiar

Trazes saudades contigo p’ra festejar

Tanto tempo ausente

Há sempre tempo p’ra chegar

Dino Meira – Tem Cuidado nas Estradas a Guiar

But it was not just overland that this derivative of uncertain course was being taken. I found myself choosing songs as if they were possible destinations for incongruous trips that we don’t do now. Holiday in Cambodia? No problem, of course I had to include the Dead Kennedys classic here. 7” dated from 1980, with an image on the cover that marked the psyche of any proto-punk but with a small caveat: said infamous photo was taken on October 6, 1976 by Neal Ulevich, outside Bangkok’s Thammasat University, not the Cambodia… So how about a 3′ Por Timor by Cool Hipnoise even though I know that Shakira has a song she recorded in 2005 on the album Oral Fixation Vol.2 where she addresses the violent occupation of East Timor by Indonesia (with support from the USA) which caused the deaths of more than 200,000 civilians between 1975-1999. The Colombian singer thus accused the media of turning a blind eye to atrocities, singing: It’s alright, it’s alright / If the planet splits in three / ‘Cause I’ll keep on selling records / And you’ve got your MTV.

That’s why this week I’m sticking pins on a map hanging on this huge desire to travel: a long haul like Sydney to Pasadena, or a short domestic itinerary like the one departing from Granada and arriving in Madrid. But the compass is so out of order that towns and villages are just as good as the inclusion of full grown countries: Paul McCartney with Back in Brazil and Rio Babilônia by Jorge Ben, Abril en Portugal by Chavela Vargas with Cha Cha Cha In Lisboa from Misia’s album Delicatessen Cafe Concerto. London Calling by the Clash points to Squeeze’s Piccadilly while Hey Manhattan! strenuously guarantees the maxim that This Is Not America

I start, half along the way I drop by, and finish in the land that gave me Stolichnaya: Prototype (USSR) is a magnificent and magnanimous mashup authored by Mark Vidler who under the name Go Home Productions signs here a mix of Beatles and Outkast. Halfway through, more precisely in the twentieth place in this week’s song choices, we board a Moskow Diskow, a classic by Marc Moulin’s Telex, who’s once again repeats showing up in these selections.

I get to the finish line with a song by Radio Stars, a more or less forgotten trio from the pre-punk era, but not without imposing a bit of indispensable historical context. In 1974, at the end of the Watergate affair, Nixon’s successor after impeachment was Gerald Ford and in 1977, during the second of three television clashes with Jimmy Carter (who would go on to win that year elections), the incumbent president made the  bizarre and blatantly false statement: “There is no Soviet domination of Eastern Europe and there never will be under a Ford administration”. Two days later in the UK, highly scathing Private Eye immediately attacked the gaffe, satirising Ford on its cover. Martin Gordon, Radio Stars bassist and lyricist on duty, was an avid reader of the magazine and so inspired took the band into the studio to record the Stop It! EP that opened with this No Russians In Russia.

Have a pleasant and safe trip.

#staysafe #musicfortheweekend

Go Home Productions – Prototype (USSR)

Paul McCartney – Back in Brazil

Azimuth – Montreal City

Boca 45 – Down to Mexico

Chavela Vargas – Abril en Portugal

Marino da Silva – Sodade De S. Nicolau

Jorge Ben – Rio Babilônia

Louis Armstrong – There’s a Boat Dat’s Leavin’ Soon for New York

Bantu – Lagos Barbie

David Bowie and Pat Metheny – This Is Not America

Bo Diddley – Congo

H. Andrews & Company – Frisco Disco

Steely Dan – West of Hollywood

O.P. Nayyar –  Bombshell Baby Of Bombay OST Title Music

Caravan Palace – Sydney

La Femme – Pasadena

Luca Barbarossa – Roma Spogliata

Nancy Sinatra & Lee Hazlewood – Paris Summer

The Clash – London Calling

Telex – Moskow Diskow

Fairuz – Hamaltu Beirut

Eydie Gormé –  Granada

Collage –  Madrid

The Kalvin Brothers – Somewhere in Korea

Brian Eno – China My China

Dead Kennedys – Holiday in Cambodia

Cool Hipnoise – 3′ Por Timor

Black & Brown – What Time in Tokyo

Armando Mendes – One Night in Bangkok

Misia – Cha Cha Cha Em Lisboa feat. Melech Mechaya

Afro-Cuban All Stars – Habana Del Este

Squeeze – Piccadilly

Ricky Wilde – The Hertfordshire Rock

Adams’ African Sky Rockets – A Night in Port Harcourt

Jesse Johnson and His Singers – I Wish I Had Died In Egyptland Part I

Archie Shepp – Song For Mozambique / A Sea Of Faces (Sun Tools Remix)

Prefab Sprout – Hey Manhattan!

Beat Detectives – Los Angeles

Philou Louzolo – Queens Of Zomba

Radio Stars – No Russians In Russia

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