#063
Style I: Cold Wave
Arpejos monótonos propagados em teclados monofónicos, vozes distantes, quase indolentes e monocórdicas, ritmos pesados e estáticos, guitarras abafadas, quando existentes… O som da Cold Wave, sonoridades frias e nocturnas, por vezes taciturnas enquanto que joviais noutras instancias, os sons do homem-máquina, die mensch-maschine que descarrilaria no pós-punk.
A origem do termo como rótulo de género é discutível mas na capa do numero 26 da revista Sounds publicada a 26 de Novembro de 1977 uma fotografia de Ralf Hütter e Florian Schneider com o título “New Musick: The Cold Wave” arranca a medalha primordial. No entanto um pouco por todo o mundo onde o punk se havia lançado havia quem desejasse continuar a compor em três acordes mas deixando arrumados na garagem alguns dos instrumentos tradicionalmente ligados à música eléctrica e começando a alicerçar estes devaneios mais minimalistas nos sons que conseguiam arrancar a sintetizadores, como o Korg MS-20 introduzido em 1978, e que começavam a ficar mais budget friendly.
Se ainda hoje é nitidamente uma música artsy, menos imediata, não deixa de ser pop, popular, tendo deixado profundas marcas na consciência de quem ouve música desde então. Fora dos grandes centros urbanos de Londres, Paris, Amsterdão ou Berlim, de vagues froides até kalte wellen, miúdos suburbanos ou de descentralizadas pequenas cidades informavam a música que produziam (muitas vezes inspirada pelo som mecânico saído de Manchester e Leeds, no norte de Inglaterra) com um sentido expresso de anseio por comunidade, conexão, como se cinzelassem o som do ennui e da alienação, da consternação de quem passou pelo grito do punk e percebeu que não havia ninguém do outro lado à escuta.
Há quem ache por isso que o pós-punk que deu à luz esta cold wave era o punk mas com um groove deprimido. Mas como a fruta nunca cai longe da árvore as questões mais pertinentes foram endogamia espiritual: secções rítmicas percutindo um total sentido de militância, menos ou mesmo nenhuma guitarrada, mais, muito mais experimentação numa impetuosa atitude de do-it-yourself aprendida no boot camp dos anos precedentes. A cold wave deixou filhos e netos: dark wave, minimal synth e mais uma pequena mão cheia de sub-géneros de punho fechado na obscuridade. Ouvimos hoje bandas como Bal Paré que aqui escolhi com Palais d’Amour, Peter Baumann que gravou Repeat, Repeat em 1981 ou até mesmo o clássico Money (That’s What I Want) dos Flying Lizards e dá para entende-los como que sendo padrinhos da EBM, da electrónica, da techno e mais tarde, já nos 2000, do electroclash.
It cuts both ways, anyway. Perel, petit nom de Annegret Perel Fiedler, uma Dj e produtora berlinense, que este ano saiu com este Star que escolhi em versão alemã. É que o som da cold wave continuou a fazer freeze frame no gosto musical actual, como se pode ouvir em algumas das escolhas: Automatic com Too Much Money; os Kreidler e um Kannibal gravado em 2017 no album European Song; o produtor FIT Siegel que em 2020 gravou o Formula EP de onde retirei este Wayne County Stomp. Ou os recentes Neon Green de Tom of England ou ainda Stay Away From The Light de Johannes Haas que assina como L.F.T., ambos em jeito exemplificativo deste ponto de vista defendido igualmente em duas compilações postas no mercado este ano pela editora britânica Soul Jazz: o two-parter Soul Jazz Records Presents Cold Wave e Two Synths A Guitar (And) A Drum Machine.
Foi nesta ultima colectânea onde escolhi ainda uma Ida editada originalmente pelos Niagara no EP Comboios e que me pareceu uma excelente ponte até ao passado ano de 1982 quando os Street Kids saíram com Trauma, o único album da banda da linha composta por Rebelo, Canavarro, Pimentel, Ventura e Ramalho, todos eles destinados a maiores vôos. Deste disco escolhi a faixa que encerra o disco, Todos São Paranóicos Menos Eu que mais uma vez demonstra o belo uso que se dava na altura à rhythm pattern que vinha de fábrica com a Casio VL-Tone, os outros casos aqui mostrados são Pretty Day de Marie Moor e Bandwagon Tango dos Testcard F.
Abundância de pérolas neste mergulho em águas de fazer congelar o sangue que nos vai na guelra: Ναός Ιωνικού Ρυθμού (Sanctuary in Ionian Rhythm) da grega Lena Platonos está ainda quentinho de tão acabado de ser editado em Balancers, compilação da Dark Entries que reúne espólio da compositora cretense nunca antes publicado. Ou a minha escolha de demonstrar a extrema admiração que tenho por Morgan Fisher ao eleger British Standard Unit com D’Ya Think I’m Sexy, versão do clássico de Rod Stewart inserida em 1979 na “falsa compilação” Hybrid Kids – A Collection Of Classic Mutants onde Fisher (que havia entrado os anos 70 como parte dos Mott the Hoople) fez-se passar por 12 diferentes bandas provenientes de Peabody no Texas. O estratagema até foi bem sucedido até que Fisher decidiu um dia “derramar feijão” na BBC.
Logicamente não pude deixar passar em claro alguns dos grandes “escultores” destas artes gélidas: John Foxx com Europe After the Rain; Fad Gadget e Ricky’s Hand, tema composto e produzido por Daniel Miller, big boss da Mute; Gary Numan que com os seus Tubeway Army deu ao meu juvenil mundo de aventuras musicais este Are Friends Electric; Diamonds, Fur Coat, Champagne do duo Suicide e o Being Boiled de uma Human League ainda em fase pré-pop do album Dare que viria depois e que me fez repensar sériamente nos finais de 1979 qual era o som que eu gostaria de ouvir à noite numa pista de dança. Local onde uma bela noite eu e o meu amigo Bruno Biel decidimos, algures no despertar do ano seguinte, que só as pálpebras dançariam nas batidas sincopadas enquanto os corpos estáticos como estátuas permaneciam mudos e quietos aos acordes das nossas músicas favoritas. Exercício de inquietação pueril mas bem demonstrativo do que nessa altura nos passava pela alma. Não sei bem porquê mas sinto a necessidade de afirmar em jeito conclusivo que era tudo como uma volta pela secção de congelados, até se podia por lá passar mas sem nunca agarrar num único saco de “douradinhos”.
Que este fim de semana o frio seja só lá fora.
#staysafe #musicfortheweekend
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Monotonous arpeggios propagated on monophonic keyboards, distant voices, almost indolent and monochordic, heavy static rhythms, muffled guitars, if any… The sound of the Cold Wave, wintry and nocturnal sounds, sometimes sullen while in other instances jovial, the sounds of the man-machine, die mensch-maschine that would derail in post-punk.
The origin of the term as a genre label is debatable but on the cover of issue 26 of Sounds magazine published on November 26, 1977 a photograph by Ralf Hutter and Florian Schneider with the title “New Musick: The Cold Wave” rips off the primordial medal. However, all over the world where punk was launched, there were those who wished to continue composing with three chords, but leaving some of the instruments traditionally linked to electric music in the garage while using as foundations the more minimalist sonic palette that they managed to get out of synthesizers, like the Korg MS-20 introduced in 1978, which were starting to become more budget friendly.
If even today it is clearly some sort of “artsy” music, less immediate, it is still pop, popular, having left deep marks in the conscience of anyone listening to music since then. Outside the big urban centers of London, Paris, Amsterdam or Berlin, from vagues froides to kalte wellen, suburban kids from decentralized small towns informed the music they produced (often inspired by the mechanical sounds coming out of Manchester and Leeds, in northern England) with an express sense of yearning for community, connection, as if chiseling the sound of ennui and alienation, of the consternation of those who passed through the punk scream and realized that there was no one listening on the other side.
There are those who think that the post-punk that gave birth to this cold wave was punk but with a depressed groove. But as the fruit never falls far from the tree, the most pertinent issues were spiritual endogamy: rhythmic sections tapping into a full sense of militancy, less or even no guitar playing, more, much more experimentation in an impetuous do-it-yourself attitude learned in the boot camp of previous years. The cold wave left children and grandchildren: dark wave, minimal synth and another small hand full of closed-fisted obscure sub-genres. Today we hear bands like Bal Paré that I chose here with Palais d’Amour, Peter Baumann who recorded Repeat, Repeat in 1981 or even the classic Money (That’s What I Want) by the Flying Lizards and you can understand them as godfathers of EBM, electronica, techno and later, in the 2000s, electroclash.
It cuts both ways anyway. Perel, petit nom of Annegret Perel Fiedler, a Berlin Dj and producer who this year came out with this Star that I chose in it’s German version. The cold wave sound continued to freeze frame the current musical taste, as you can hear in some of the choices: Automatic with Too Much Money; Kreidler and a Kannibal recorded in 2017 on the European Song album; producer FIT Siegel who in 2020 recorded the Formula EP from which I took this Wayne County Stomp. Or the recent Neon Green by Tom of England or Stay Away From The Light by a Johannes Haas that signs as L.F.T., both as an example of this point of view, equally defended in two compilations released this year by the British label Soul Jazz: the two-parter Soul Jazz Records Presents Cold Wave and Two Synths A Guitar (And) A Drum Machine.
It was from this last collection that I also chose Ida, published originally by Niagara on the Comboios EP in 2017 and that seemed to me like an excellent bridge to 1982 when Street Kids came out with Trauma, the only album by the band composed by Rebelo, Canavarro, Pimentel, Ventura and Ramalho, all of them destined for bigger flights. From this record I chose the curtain call track, Todos São Paranóicos Menos Eu which once again demonstrates the beautiful use that was given at the time to the factory rhythm pattern that came with the Casio VL-Tone, the other cases shown here are Pretty Day by Marie Moor and Bandwagon Tango by Testcard F.
Pearls galore in this blood-freezing water dive: Ναός Ιωνικού Ρυθμού (Sanctuary in Ionian Rhythm) by the Greek Lena Platonos is still warm from being so recently published in Balancers, a compilation by Dark Entries that brings together the Cretan composer’s never-before-published repertoire. Or my choice to demonstrate the extreme admiration I have for Morgan Fisher by electing the British Standard Unit with D’Ya Think I’m Sexy, a version of the Rod Stewart classic inserted in 1979 in the “false compilation” Hybrid Kids – A Collection Of Classic Mutants where Fisher (who had entered the 70s as part of Mott the Hoople) posed as 12 different bands hailing from Peabody in Texas. The stratagem was successful until Fisher decided one day to spill the beans on the BBC.
Logically, I couldn’t let some of the great “sculptors” of these icy arts go unnoticed: John Foxx with Europe After the Rain; Fad Gadget and Ricky’s Hand, song written and produced by Daniel Miller, Mute’s big boss; Gary Numan, who with his Tubeway Army gifted my youthful world of musical adventures with this Are Friends Electric; Diamonds, Fur Coat, Champagne by the duo Suicide and from a pre-pop Human League, still before the Dare album, a Being Boiled that made me seriously rethink in late 1979 what sound I would like to hear at night on a dance floor. Place where one beautiful night my friend Bruno Biel and I decided, somewhere in the wake of the following year, that only the eyelids would dance to the syncopated beats while our bodies, static like statues, remained silent and quiet to the chords of our favorite songs. An exercise in childish restlessness but well demonstrative of what was going on in our souls at that time. I’m not sure why, but I feel the need to conclusively state that it was like a tour around the frozen food section, you can go through it without ever grabbing a single bag of “fish fingers”.
May this weekend be of cold only outside.
#staysafe #musicfortheweekend
Bal Paré – Palais d’Amour
Automatic – Too Much Money
Tim Blake – Lighthouse
Niagara – Ida
Flying Lizards – Money (That’s What I Want)
British Standard Unit – D’Ya Think I’m Sexy
Fad Gadget – Ricky’s Hand
Toulouse Low Trax – Rushing Into Water
Marie Moor – Pretty Day
Suicide – Diamonds, Fur Coat, Champagne
Virna Lindt – Young and Hip
Peter Baumann – Repeat, Repeat
Adult – Blank Eyed, Nose Bleed
Charles De Goal – Synchro
Alan Burnham – Science Fiction
Gary Numan + Tubeway Army – Are Friends Electric
Chris and Cosey – October (Love Song)
L.F.T. – Stay Away From The Light
Nini Raviolette – Suis-Je Normale
Orchestral Manoeuvres in the Dark – Red Frame / White Light
Perel – Star (German Version)
Moderne – Switch On Bach
John Foxx – Europe After the Rain
Kreidler – Kannibal
The Human League – Being Boiled
Dave I.D. – Help Starts
Putilatex – ¡Mira una Moderna!
Drinking Electricity – Good Times
Esplendor Geométrico – Moscú Está Helado
Testcard F – Bandwagon Tango
The (Hypothetical) Prophets – Person To Person
Gruppenbild – Onbereikbaar
Lena Platonos – Ναός Ιωνικού Ρυθμού
De Ambassade – Standhouden
Tom of England – Neon Green
Línea Vienesa – Cangrejos En La Cocina
Street Kids – Todos São Paranóicos Menos Eu
FIT Siegel – Wayne County Stomp
Ak-47 – Stop! Dance!
Repetition – A Full Rotation