#070
Devil May Care
O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns abandonarão a fé e seguirão espíritos enganadores e doutrinas de demônios.
1 Timóteo 4:1
Oh Diabo! Se a semana passada andávamos pelo céu desta vez vamos até ao seu antípoda espiritual, até à morada de Belial, cornudo e fumegante amigo da música sempre que esta incite à dança, ao protesto ou à alegria esfuziante. Rock & Roll, jazz e blues os estilos que mais necessitaram de exorcismo mas valsas e sonatas também se viram com um pezinho no baile macabro, da Folk até ao Hip Hop muito tem sido descrito e catalogado sob uma tutela moral questionável já que qualquer pobre diabo que pretenda declarar esta ou aquela canção como vinda “do demo” é porque acha que está prestes a perder o controlo da narrativa. No entanto tudo isso é história que já vem de longe…
Diabolus in Musica era o nome dado a partir da Idade Média ao tritono, um intervalo de três tons inteiros entre duas notas, cujo efeito nada mais é do que provocar uma sonoridade de tensão. A desarmonia do som assim produzido por este intervalo fez criar o mito da igreja católica o ter proibido na consideração de ser contrário a uma harmonia divina. “A música vive dentro de nós, na medula dos nossos ossos evolutivos, acedendo a este primário sistema”, afirmou o musicólogo britânico John Deathridge, “que identifica a emoção com base na violação da expectativa”. Ou seja, o nosso cérebro está predisposto a ouvir certas combinações de sons como apaziguantes e outras como perturbadoras.
O trítono é o que um outro musicólogo, Carl E. Gardner, chamou de acorde “dependente”, uma característica da tensão. Podemos não registrá-lo conscientemente, mas ele prepara-nos o cérebro para uma ansiosa expectativa. “O motivo de ser perturbador é que é ambíguo, não resolvido”, diz Gerald Moshell, professor de música do Trinity College em Hartford no Connecticut. “quer ir a algum lugar, quer-se estabelecer. Não sabemos para onde vai, mas não pode parar aí onde está”, pensa o ouvinte incauto. Ouve-se essa indecisão, esse “demônio” de dúvida musical em composições que vão do tema dos Simpsons ao refrão de Evenflow dos Pearl Jam, de Danse Macabre de Camille Saint-Saëns, uma peça musical que pode não conjurar o mal, mas parece que muito bem o poderia se assim quisesse, até Purple Haze de Hendrix ou The Carny de Nick Cave.
Uma canção que poderia ter sido aqui escolhida é Station to Station, o que não lembra ao Ash-Shaytān, mas no entanto pelo menos metade dos seus dez minutos são de um piano a martelar um trítono invertido assim criando uma atmosfera tão desconcertante quanto esses tempos em que o Thin White Duke cheirou tanta coca que nem se lembra de ter tentado “exorcizar a sua própria piscina” em Los Angeles. Não é para admirar também a obsessão na altura que Bowie tinha com o mago ocultista Aleister Crowley. No entanto tinha tanto material que acabei por deixá-la onde Lucifer (e Judas supostamente também) perdeu as botas…
Para fazer o diabo a quatro só poderia mesmo escolher começar esta selecção com a música que deu nome aos Black Sabbath, aparentemente inspirada por uma visão que o baixista teve de uma fantasmagórica “enorme figura negra” surripiando um livro que Ozzy lhe havia emprestado, claro está, sobre bruxaria. O icônico riff de quatro notas tornou-se uma espécie de diagrama da spooky music, numa época em que o uso do trítono era bastante incomum fazendo dela um marco para tanta banda inspirada e influenciada pelos Sabbath.
Considerada por muitos como a primeira banda de heavy metal, os Black Sabbath foram concebidos em 1968 por Tony Iommi, Ozzy Osbourne, Geezer Butler e Bill Ward. O nome original da banda era Polka Tulk Blues Band (mais tarde abreviado para Polka Tulk) e depois mudou para Earth antes de se estacionar no epíteto inspirado pelo titulo em inglês do filme de terror italiano I Tre Volti della Paura do mestre Mario Bava. O disco de estreia foi inteiramente gravado numa empreitada de oito horas nos Regent Sound Studios em Outubro de 1969. A estética da banda estava encontrada, o album continha uma outra faixa, chamada Evil Woman, Don’t Play Your Games With Me, chamada de atenção a Louise Livingstone, a modelo fotografada por Keith “Keef” Macmillan para a capa e que ainda fez uns cameos em pequenos filmes série B (é também uma das inúmeras ciclistas nuas que aparecem no interior da capa de Jazz dos Queen). Mais recente Louise criou Indreba (The INcredible DREam BAnd), projecto de música electrónica que tem neste momento a sua página no Bandcamp em hold.
Enquanto o Iblis esfrega um olho adianto-me nesta cartilha de pop “endiabrada” com coisas tão díspares como Grim Reaper pelos The Twelfth Night, banda de Orlando conhecida como Emotions, Twelfth Night foi cognome usado só para este 7” gravado em 1965 ou Alla faccia di Belzebu dos Ricchi e Poveri, um dos grupos da pop italiana mais famosos na Europa e na América Latina. Em atividade desde o final dos anos 60, têm um palmarés de vendas superior a 20 milhões de discos.
Continuo por esse inferno a fora, a fazer o diabo a quatro. Com o R&B das The Donays, grupo feminino de Detroit e sobre o qual recaiu a minha escolha da gravação original em 1962 da música Devil in His Heart e que trazia Bad Boy no outro lado do single. Esse disco foi descoberto por George Harrison e gravado pelos Beatles no ano seguinte como Devil in Her Heart no seu segundo album para a Parlophone, With The Beatles.
Com o trip-funk-hop-jazz de Simon Ward aka Dr. Rubberfunk no seu primeiro disco datado de 2003, The First Cut de onde tirei este Bossa For The Devil, update de Old Devil Moon escrito originalmente por Burton Lane e Yip Harburg para o musical Finian’s Rainbow. No entanto o título da canção é também uma referencia que vem de uma frase de Fun to Be Fooled, canção que Harburg havia escrito com Harold Arlen e Ira Gershwin para o musical de 1934 Life Begins at 8:40. Ou mesmo com Roy Orbison a cantar o clássico In Dreams, para sempre conotada com o Blue Velvet, talvez um dos mais sugar coated passeios com a maldade impressos em celuloide por David Lynch.
Do Italo-disco Satan In Love de La Bellini até ao Disco Inferno dos Tramps vai todo um circulo dantesco de escolhas díspares. Como Les Shleu Shleu, banda haitiana de Bas-Peut de Chose, perto de Port-au-Prince e que aqui apresentam Diable La. Ou Fatima Al Qadiri que o ano passado gravou este Stolen Kiss of a Succubus no disco Medieval Femme gravado para a editora Hyperdub. Até encerrar, cruzes canhoto, com os The Residents e Shroud of Flames. A misteriosa banda californiana começou no fim dos anos 60 mas só em em 1974 editaram Meet the Residents (a capa é nada mais do que uma pastiche profana da capa de With the Beatles), o primeiro de mais de 60 discos, todos editados pela sua imprint Ralph Records e todos conceitualmente baseado numa agenda de total desconstrução da música pop ocidental. Continuam no activo apesar da morte em 2018 de Hardy Fox, um ano antes identificado como seu fundador, mentor e principal compositor.
Indeed the safest road to Hell is the gradual one—the gentle slope, soft underfoot, without sudden turnings, without milestones, without signposts.
C.S. Lewis – The Screwtape Letters
#staysafe #musicfortheweekend
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The Spirit clearly says that in later times some will abandon the faith and follow deceiving spirits and things taught by demons.
1 Timothy 4:1
Speak of the Devil! If last week we were strolling through the blue skies of Paradise, this time we head towards its spiritual opposite, to the abode of Belial, a cuckolded and smouldering music lover whenever said sounds incite to dancing, protesting or give us sudden attacks of joy. Rock & Roll, jazz and blues being the styles that have needed more in term of exorcism but even waltzes and sonatas found themselves also with a foot in this macabre dance, from Folk to Hip Hop a whole lot of genres have been described and cataloged under questionable moral tutelage since if any poor devil declares this or that song as “beelzebubian” it is because they might be afraid of losing control of the narrative. However, all this is proof that the Devil takes the hindmost in an history that comes from afar…
Diabolus in Musica was the name given in the Middle Ages to the tritone, an interval of three whole tones between two notes, whose effect is nothing more than to provoke a sound of tension. The disharmony of the sound thus produced by this interval created the myth of the Catholic Church forbidding it in consideration of being contrary to some sort of divine harmony. “Music lives inside us, in the marrow of our evolutionary bones, accessing this primary system”, said British musicologist John Deathridge, “which identifies emotion based on the violation of expectation” as most brains are inclined to hear certain sound combinations as soothing and others as disturbing.
The tritone is what another musicologist, Carl E. Gardner, called a “dependent” chord, a characteristic of tension. We may not consciously register it, but it prepares our brains for anxious anticipation. “The reason it’s disturbing is that it’s ambiguous, unresolved,” says Gerald Moshell, a music professor at Trinity College in Hartford, Connecticut. “You want it to go somewhere, you want it to settle down. We don’t know where it’s going, but we feel it can’t stop where it is”, thinks the incautious listener. This indecision, this “demon” of a musical doubt, is heard in compositions that range from the Simpsons theme to the chorus of Pearl Jam’s Evenflow, from Danse Macabre by Camille Saint-Saëns, a piece of music that may not conjure evil, but seems that it could if it wanted to, to Hendrix’s Purple Haze or The Carny by Nick Cave.
Confirming that Ash-Shaytān has all the best tunes a song that could have been chosen here is Station to Station, at least half of its ten minutes are of a piano hammering an inverted tritone thus creating an atmosphere as disconcerting as those times when the Thin White Duke was snorting so much coke he even tried to “exorcise his own pool” in Los Angeles. As so it’s no wonder Bowie’s obsession at the time with occult wizard Aleister Crowley. However, there was so much material that I ended up leaving this one behind, somewhere between one horned Lucifer and the deep blue sea…
Giving the Devil his due I could only choose to start this selection with the song that gave Black Sabbath their name, apparently inspired by a vision the bassist had of a ghostly “huge black figure” stealing a book about witchcraft that Ozzy had lent him. The iconic four-note riff sort of became a blueprint for spooky music, at a time when the use of the tritone was quite unusual making it a staple for so many Sabbath-inspired and influenced bands.
Considered by many to be the first heavy metal band, Black Sabbath was conceived in 1968 by Tony Iommi, Ozzy Osbourne, Geezer Butler and Bill Ward. The band’s original name was Polka Tulk Blues Band (later shortened to Polka Tulk) and then changed to Earth before settling on the epithet inspired by the English title of Italian horror film I Tre Volti della Paura by master Mario Bava. The debut album was entirely recorded in an eight-hour endeavour at Regent Sound Studios in October 1969. The band’s aesthetic was met, the album contained another track, called Evil Woman, Don’t Play Your Games With Me, calling attention to Louise Livingstone, the model photographed by Keith “Keef” Macmillan for the cover and who even made cameos in small B-films (she is also one of the many naked cyclists that appear inside the cover of Jazz by Queen). More recently Louise created Indreba (The INcredible DREam BAnd), an electronic music project that currently has its Bandcamp page on hold.
In a blink of Iblis eyes I advance this “mephistophelian” pop primer with things as disparate as Grim Reaper by The Twelfth Night, Orlando band known as Emotions, Twelfth Night was the nickname used only for this 7” recorded in 1965 or Alla faccia di Belzebu by Ricchi e Poveri, one of the most famous Italian pop groups in Europe and Latin America. In activity since the late 60s, they have a record of selling over 20 million records.
He who sups with Azazel should have a long spoon so i fork my way through this “hell”. With the R&B of The Donays, female group from Detroit and on which fell my choice of the 1962 original recording of the song Devil in His Heart which had Bad Boy on the other side of the single. This record was discovered by George Harrison and recorded by the Beatles the following year as Devil in Her Heart on their second album for Parlophone, With The Beatles.
With the trip-funk-hop-jazz of Simon Ward aka Dr. Rubberfunk on his first album dated 2003, The First Cut from which I took this Bossa For The Devil, update of Old Devil Moon originally written by Burton Lane and Yip Harburg for the musical Finian’s Rainbow. However, the song’s title is also a reference to a line from Fun to Be Fooled, a song that Harburg had written with Harold Arlen and Ira Gershwin for the 1934 musical Life Begins at 8:40. Or even with Roy Orbison singing the classic In Dreams, forever connoted with Blue Velvet, perhaps one of the most sugar coated evil rides ever printed to celluloid by David Lynch.
From La Bellini’s Italo-disco Satan In Love to Tramps’ Disco Inferno goes a whole Dantean circle of disparate choices. Like Les Shleu Shleu, a Haitian band from Bas-Peut de Chose, near Port-au-Prince, singing here Diable La. Or Fatima Al Qadiri who last year recorded this Stolen Kiss of a Succubus on the Medieval Femme project recorded for the Hyperdub label. Because some say that the Prince of Darkness is always in the details I close with The Residents and Shroud of Flames. The mysterious Californian band started in the late 1960s but it wasn’t until 1974 that they released Meet the Residents, (the cover is like a profane version of the With the Beatles cover) the first of more than 60 albums, all published by their Ralph Records imprint and all conceptually based on an agenda of total deconstruction of western pop music. They remain active despite the death in 2018 of Hardy Fox, a year earlier identified as their founder, mentor and main songwriter.
Indeed the safest road to Hell is the gradual one—the gentle slope, soft underfoot, without sudden turnings, without milestones, without signposts.
C.S. Lewis – The Screwtape Letters
#staysafe #musicfortheweekend
Black Sabbath – Black Sabbath
Carla Bruni – Highway to Hell
Ovelha Negra – Deus Criou o Diabo
Ricchi e Poveri – Alla faccia di Belzebu
Glenda & Glen – Voodoo Doll
Les Shleu Shleu – Diable La
Pulsallama – The Devil Lives in My Husband’s Body
Michael Jackson, Fela Kuti – Thriller Zombie
The Crazy World of Arthur Brown – Devil’s Grip
La Bellini – Satan In Love (Leo Mas & Fabrice Inferno Lovers Mix)
Art Of Tones – Devil The Difference
Essen – God & The Devil (Dub Instrumental Mix)
Los Holys – Campo de Vampiros
Skip Manning – Devil Blues
VONDA7 – All in Flames
Street Corner Symphony – Symphony For The Devil
The Trammps – Disco Inferno
Ohio Players – Runnin’ From The Devil
The Twelfth Night – Grim Reaper
Barry Adamson – Jazz Devil
Tommy Dorsey & Frank Sinatra – Devil May Care
The Vettes – Devil’s Driver Theme
Roy And Georgia and the SO and SO’s – Devil Get Away From Me
Thundercat – Inferno
Soul Messengers & The Spirit of Israel – Burn Devil Burn
The Donays – Devil in His Heart
Fatima Al Qadiri – Stolen Kiss of a Succubus
Bread & Butter – Devil Woman
Nappy Riddem – Devil Needs a Bodyguard (Fort Knox Five Remix)
Black Sausage – White Devil
Roy Orbison – In Dreams
Reverend Charlie Jackson – Don’t Let the Devil Ride
Sweet Exorcist – She Devil
Ralph Lundsten – Horrorscope
Dr. Rubberfunk – Bossa For The Devil
Benny Profane – Devil Laughing
The Deep Set – The Devil Is a Woman
Angelica Garcia – Lucifer Waiting
The Devotions – Devil’s Gotten into My Baby
The Residents – Shroud of Flames