#087
Hors Serie IIb 2022
Como se de contraponto à m4we da semana passada se tratasse decidi fazer tout court uma compilação só de musicas deste ano prestes a findar.
Sem versões de grandes canções interpretadas em línguas inusitadas, sem me lembrar de ir buscar à cartola temas que nem Houdini se lembraria, não, nada disso, só pura pop, simples rock ou singelo funk, tudo da colheita de 2022 que o escanção aqui não teve tempo para reorganizar e decantar numa das minhas selecções.
Uma espécie de very best of do ano, demonstrativo de quão saudável anda a musica contemporânea. De como afinal ainda se fazem discos com D grande. Podiam ser outras escolhas? Podiam, yes siree… mas é sempre assim, isto funciona como um photomaton musical, snapshot amostra de um desejo meu de partilhar música com amigos e desconhecidos. Agora foram estas 40. Daqui a duas horas ou amanhã seriam outras as escolhidas. É assim e não podia mesmo ser de outra forma. No ano de 2022 ou em qualquer outro do calendário.
Começo com a Ghost Funk Orchestra e Why? porque a outra margem do Hudson produziu muito boa música este ano, não tenho nem sequer problemas em dizer que de Brooklyn o vento trouxe remoinhos de muito bons sons este ano. Mas que não ficaram só por aí. Do norte europeu Jay-Jay Johanson e o tema Labyrinth assim como Beautiful Stranger da sino-islandesa Laufey, dona de um dos mais belos alguns do ano, Everything I Know About Love.
Sim, porque boa música foi chegando de mais cantos que um planisfério alguma vez pudesse conter: da cidade do Mexico Natalia Lafourcade com El Lugar Correcto, enquanto Liraz, iraniana nascida em Israel, canta Bishtar Behand no seu album Roya gravado em Istambul. A ver assim tanto carimbo nos passaportes até parece que Neal Francis é um pacóvio americano do Illinois mas este seu segundo album, Sentimental Garbage, demonstra muito bem o quão longe o rapaz pode chegar. Claro que tive mesmo de pegar em Very Fine, pts. 1 & 2, faixa que ficou de fora da edição do seu album anterior mas que assim foi maturando até ficar a soar exactamente como um top notch blue-eyed soul dos 80s.
Repito, houve mesmo muito boa música por todo o lado. De Melbourne na Austrália Way Dynamic com Just Begun passo para Napoli e para o rapper italiano Tonico 70 com Vic’l; Material dos Marxist Love Disco Ensemble (outro LP favorito deste ano); Bal dos turcos Derya Yildirim & Grup Simsek muda para Don Pascal com São Vincente, escolhido no album broken beat produzido inteiramente no estúdio do produtor de Cesária, José da Silva, contando ainda com a participação do pianista Khaly Angel e ainda Hernani Almeida na guitarra, Eder Motta no baixo e Rossini Santos nas percussões.
A diáspora africana batucou muito e também por todo o lado: com a Afro-Haitian Experimental Orchestra em Yanvalou, com o duo DjeuhDjoah & Lieutenant Nicholson em Planète ou no projecto Wau Wau Collectif com as rimas infantis de Xale (Toubab Dialaw Kids Rhyme) mas também em Jacarandá, tirado de Casa Guilhermina, o novo disco de Ana Moura que demonstra que o que se andava a fazer há uns anos no Fado Lab do Can the Can em Lisboa era bem propositado, neste disco a fadista mescla sem pruridos kizomba, morna, trap, samba para produzir um fado contemporâneo que não nega no entanto as suas origens.
Por outro lado no palco electrónico houve regressos muito bem vindos: Romare com Walking In The Rain,Honey Dijon saiu com album novo de onde escolhi It’s Quiet Now ft. Dope Earth Alien, o mestre Soichi Terada deu uma mãozinha amiga a Kuniyuki em Slowdown e o nosso amigo Alan Abrahams que em I Feel Stronger Now (Patrice Scott Remix) voltou a maravilhar com o seu projecto Portable.
Mas de longe a vénia mais espectacular é a do velhote Todd Rundgren, que demonstra no seu mais recente LP que continua a estar tão à vontade a compor como na cadeira de produtor a dirigir as hostes de convidados que vão fazendo filinha-pirilau nas canções de Space Force. Podia ter escolhido muita coisa mas decidi por I’m Not Your Dog que conta com ajuda de Thomas Dolby.
Mas se o Tod Rundgren já vai com uns anitos em cima então o que dizer de Little Freddie King de quem aproveitei We Are Through? Neste ano em que a artista revelação dos Grammies foi a senhora Angela Álvarez de 95 anos o que está a dar é definitivamente uma bela “maioridade” e o pequeno Rei Frederico é uma velha lenda dos blues que agora aos 82 anos de idade gravou o album Blues Medicine. Ou o pianista do Mali Cheick Tidiane Seck que agora aos 70 anos é ainda considerado como um dos mais brilhantes pianistas vivos e que numa carreira com mais de 50 anos acaba de editar o seu primeiro disco a solo, Kelena Fôly de onde retirei Aimé Césaire, ou ainda os enigmáticos Residents numa very long run pontuada no final do ano com Walking In Circles da banda sonora do filme Triple Trouble.
Mesmo a chegar ao fim ainda troco à ultima da hora uma música dos girlpuppy para dar lugar ao regresso de ultima hora de Essential Logic com Fallible Soldiers. Logic de Lora Logic, ou seja o nome de ataque que Susan Carena Whitby arranjou quando se tornou responsável pela originalidade do som que os X-Ray Spex tinham em Oh Bondage, Up Yours. 40 anos depois de Pedigree Charm, o único disco que gravou depois de ser “despedida” do grupo de Poly Styrene, Land of Kali é o album que até tem uma versão com 5 discos que só pode ser comprado em modelo DTC (direct to consumer) no site da banda.
Um pouco antes troco também a faixa The 1975 que dá nome ao projecto londrino com esse mesmo nome e que recentemente editou o excelente Being Funny In A Foreign Language mas o disco novo de Manuel Fúria mesmo no revirar do ano tinha de ser aqui incluído. Ainda deu direito a um pulo ao CCB para ver como é que os Perdedores funcionavam ao vivo e tenho a garantir total devoção. Como o Manuel dizia uns dias depois num programa da RDP “é um disco sobre os que já não tem nada a perder”. Para as gentes mais wokes parece uma coisa assim lamuriada mas na realidade quando estava a ver o concerto só me vinha à cabeça um concerto que Lou Reed fez há muitos anos atrás, onde só tocou Songs for Drella e Magic and Loss, dois discos, se a memória não vos falha, sobre perda e morte e no entanto a sensação deste lado do palco foi sempre de inteira celebração pela vida e por todo o conhecimento que vamos adquirindo. Pois a sensação foi exactamente a mesma e daí este dernier choix de Nem Fome, Nem Mundo, faixa de abertura do album.
Acabo com Compasso do Desassossego, retirado de Flea Market Music, novo album de Leonardo Marques, artista de Belo Horizonte que tem vindo a seduzir quem o ouve com uma mistura fina de indie folk, lo-fi e psicadelismo 60s brasuca. Leonardo começou a sua carreira a solo com Curvas, Lados, Linhas Tortas, Sujas e Discretas, um CDr editado em 2015 pela La Femme Qui Roule. Em 2019, quando comprei Early Bird, verdadeiramente o seu primeiro album a solo (depois de Leonardo ter feito parte dos projectos Diesel, Udora e Transmissor) o raio do vinil lançado pela francesa 180g com ajuda da Disk Union de Tóquio só saiu do Technics lá de casa a muito custo e ao fim de muita escuta. Este é da mesma safra.
#staysafe #musicfortheweekend
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As a counterpoint to last week’s m4we I decided to make a tout court compilation of songs from the year about to end.
No versions of great songs interpreted in unusual languages, without me reminding you guys about tunes that not even Houdini would have thought of, no, nothing like that, just easy pop, simple rock or uncomplicated funk, everything sowed from the 2022 harvest that your’s truly sound sommelier here didn’t have time to rearrange and decant in one of these selections.
A sort of very best of the year, demonstrating how healthy I find contemporary popular music right now, to show that artists still make records with a big R after all. Could there be other choices? Of course, yes siree… but it’s always like that, this works like a sonic photomaton, a snapshot sample of my desire to share music with friends and strangers. Now it was these 40. In two hours or tomorrow, others would be chosen. This is how it is and it could not be otherwise. In the year 2022 or on any other of our calendar.
I start with the Ghost Funk Orchestra and Why? because the other side of the Hudson produced very good music this year, I have no problem saying that from Brooklyn the wind brought whirls and swirls of mighty fine sounds this year. But they didn’t just stop there. From Northern Europe Jay-Jay Johanson and Labyrinth as well as Beautiful Stranger by Chinese-Icelandic Laufey, owner of one of the most beautiful albums of the year, Everything I Know About Love.
Yes, because good music came from more corners than any planisphere could ever contain: from Mexico City Natalia Lafourcade with El Lugar Correcto, while Iranian born in Israel Liraz sings Bishtar Behand from her new LP Roya, recorded in Istanbul. With so many stamps on their passports, it might seem that Neal Francis is just a hick from Illinois but his second album, Sentimental Garbage, demonstrates very well how far the boy can go. Of course I really had to pick up Very Fine, pts. 1 & 2, a track that was left out of his previous album and maybe because of that matured until sounding exactly like a top notch 80s blue-eyed soul.
I repeat, there really was good music everywhere. From Melbourne in Australia Just Begun by Way Dynamic moves on to Napoli and the Italian rapper Tonico 70 with Vic’l; Material from the Marxist Love Disco Ensemble (another favorite LP from this year) goes into Bal by turkish band Derya Yildirim & Grup Simsek only to warp into Don Pascal in São Vincente, chosen from the broken beat album produced entirely in the studio of Cesária’s producer, José da Silva and featuring pianist Khaly Angel and Hernani Almeida on guitar, Eder Motta on bass and Rossini Santos on percussion.
The African diaspora bashed everywhere a lot of tight skin: with Afro-Haitian Experimental Orchestra in Yanvalou, with the duo DjeuhDjoah & Lieutenant Nicholson in Planète or with the Wau Wau Collectif pursuing the nursery rhymes of Xale (Toubab Dialaw Kids Rhyme) but also in Jacarandá, taken from Casa Guilhermina, the new album by Ana Moura that reasonably demonstrates that what was being done a few years ago in the Fado Lab at Can the Can in Lisboa was very purposeful, in this album the fado singer has no qualms in mixing kizomba, morna, trap and samba to produce a contemporary fado that does not deny its origins.
On the other hand, there were welcome returns on the electronic stage: Romare with Walking In The Rain, Honey Dijon came out with a new album from which I chose It’s Quiet Now ft. Dope Earth Alien, master Soichi Terada gave a helping hand to Kuniyuki in Slowdown and our friend Alan Abrahams who in I Feel Stronger Now (Patrice Scott Remix) once again marvelled us with his Portable project.
But by far the most spectacular bow is to old man Todd Rundgren, who demonstrates on his latest LP that he continues to be as comfortable composing as he is in the producer’s chair directing the tons of guests who form a wild queue on the songs of the Space Force LP. I could have chosen a lot of things but decided on I’m Not Your Dog with the help of Thomas Dolby.
But if Tod Rundgren is already on his seventies, then what about Little Freddie King, from whom I took advantage of picking We Are Through? In a year in which the Grammies revelation artist was Mrs. Angela Álvarez, a 95 years old, what is definitely happening is a beautiful “coming of age” and King Frederick is an old blues legend who now, at 82 years old, recorded the album Blues Medicine. Or the musician from Mali, Cheick Tidiane Seck who, now at 70, is still considered one of the most brilliant pianists alive and who, in a career spanning more than 50 years, has just released his first solo album, Kelena Fôly, from which I opted for Aimé Césaire, or even the enigmatic Residents in a very long run punctuated at the end of the year with Walking In Circles from the soundtrack of the movie Triple Trouble.
About to reach the finish line I still discard at the last minute a song by girlpuppy to make way to last minute return of Essential Logic with Fallible Soldiers. Logic as in Lora Logic, the stage name that Susan Carena Whitby came up with when she became responsible for the originality of the sound that X-Ray Spex had on Oh Bondage, Up Yours. 40 years after Pedigree Charm, the only album she recorded after being “fired” from Poly Styrene’s band, Land of Kali is the album that even has a 5-disc version that can only be purchased in the DTC model (direct to consumer) on the band’s website.
A little earlier I also changed the track The 1975 that gives name to the London project with that very same name and that recently released the excellent Being Funny In A Foreign Language but a new album by Manuel Fúria right at the turn of the year had to be included here. It even gave me opportunity for a stroll to CCB to see how Perdedores sounded live and I can only assure you total devotion. As Manuel said a few days later on an RDP show “it’s a record about those who no longer have anything to lose”. For anyone with a more “woke” agenda it seems like whining but in reality when I was watching the concert the only thing that popped to mind was one gig that Lou Reed did many years ago, where he only played Songs for Drella and Magic and Loss, two discs, if memory does not fail you, about loss and death and yet the feeling on my side of the stage was always one of complete celebration for life and for all the knowledge that we acquire. Well, the feeling was exactly the same, hence this dernier choix of Nem Fome, Nem Mundo, opening track of the album.
I finish with Compasso do Desassossego, taken from Flea Market Music, the most recent album by Leonardo Marques, an artist from Belo Horizonte who has been seducing anyone who listens to him with a fine mix of lo-fi indie folk and brasuca 60s psychedelia. Leonardo began his solo career with Curvas, Lados, Linhas Tortas, Sujas e Discretas, a CDr released in 2015 by La Femme Qui Roule. In 2019, when I bought Early Bird, truly his first solo album (after Leonardo had been part of the Diesel, Udora and Transmissor projects) the damn vinyl released by French label 180g with some help of Tokyo’s Disk Union only left my home’s Technics at great cost and after much listening. This one has that same kind of creative hubris.
#staysafe #musicfortheweekend
Ghost Funk Orchestra – Why?
Adrian Quesada – El Muchacho De Los Ojos Tristes
Marxist Love Disco Ensemble – Material
DjeuhDjoah & Lieutenant Nicholson – Planète
Batida – Farramenta
Liraz – Bishtar Behand
Neal Francis – Very Fine, pts. 1 & 2
Christine and the Queens – Ma bien aimée bye bye
Jay-Jay Johanson – Labyrinth
Christopher Tin – A Hundred Thousand Birds
El Payo – Black Girl From Soweto
The Orielles – The Room
Way Dynamic – Just Begun
Laufey – Beautiful Stranger
The Residents – Walking In Circles
Tonico 70 – Vic’l
Natalia Lafourcade – El Lugar Correcto
Little Freddie King – We Are Through
Don Pascal – Sao Vincente
Portable – I Feel Stronger Now (Patrice Scott Remix)
Romare – Walking In The Rain
Derya Yildirim & Grup Simsek – Bal
Todd Rundgren – I’m Not Your Dog ft. Thomas Dolby
Afro-Haitian Experimental Orchestra – Yanvalou
TigerBalm – Tokyo Business ft. Joy Tyson
The Soft Pink Truth – La Joie Devant La Mort
Panda Bear and Sonic Boom – Livin’ in the After
Ana Moura – Jacarandá
Peel Dream Magazine – Wanting and Waiting
Souad Massi – Une Seule Etoile
The Smashing Pumpkins – Where Rain Must Fall
Kuniyuki, Soichi Terada & Sauce81 – Slowdown
Field Guide – Tupperware (Reimagined)
Men I Trust – Billie Toppy
Manuel Fúria – Nem Fome, Nem Mundo
Honey Dijon – It’s Quiet Now ft. Dope Earth Alien
Cheick Tidiane Seck – Aimé Césaire
Wau Wau Collectif – Xale (Toubab Dialaw Kids Rhyme)
Essential Logic – Fallible Soldiers
Leonardo Marques – Compasso do Desassossego